Os impasses do modelo
Os impasses do modelo

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por Paulo Passarinho

Tenho defendido com freqüência a necessidade de superarmos o atual modelo econômico, em curso no país desde o início dos anos noventa.

Esta minha posição, percebo, muitas vezes produz muita mais dúvidas ou incompreensões do que eu mesmo poderia supor.

Já fui até mesmo confundido como uma pessoa que, não atentando nem mesmo para o que ocorre na China, sob direção de um partido comunista, estivesse defendendo a ruptura do Brasil com o sistema capitalista mundial e pregando uma espécie de fechamento do nosso país às relações com o sistema global.

Inicialmente, frente a esse tipo de interpretação, apenas imaginei ser apenas uma incompreensão, reflexo do rebaixamento da qualidade do debate político e econômico, que de fato também é real. Afinal, esse empobrecimento da discussão é cotidianamente alimentado pelos meios de comunicação de massa, pelos analistas de plantão desse tipo de mídia e pelo próprio mundo da política.

Vivemos em um país em que atualmente a crença difundida é que haveria de certo modo apenas uma maneira de se conduzir a economia do país, “de forma responsável” e com o objetivo de não se alterar o quadro de “estabilidade macroeconômica”, que nos produz os “sólidos fundamentos da economia brasileira”.

A conversão do PT e de seus aliados à política de juros altos, superávit primário, câmbio flutuante, por exemplo, também reforçou a idéia de que o possível de ser feito é o que tem sido praticado por sucessivos governos, desde o início do Plano Real, em 1994.

O que naquele momento se consolidava no país, depois de toda a instabilidade marcada pelo governo Collor, era a afirmação no Brasil do modelo liberal-periférico, em substituição ao chamado modelo desenvolvimentista (1930/1980), o qual havia entrado em crise nos anos oitenta.

Este modelo, em vigor, caracteriza-se pela abertura financeira do país, pela absorção da chamada poupança externa e pelo incentivo variado ao capital estrangeiro. A concessão de benefícios fiscais, tratamento indiferenciado em relação às empresas de capital nacional, privatizações de empresas estatais e concessões de serviços públicos, além de uma generosa política de financiamentos, especialmente via BNDES, são diferentes exemplos dessa estratégia de priorização aos capitais externos. É um modelo que privilegia também as empresas transnacionais brasileiras, dentro da perspectiva de geração de mega-superávits comerciais, fator fundamental para a garantia do seu funcionamento e estabilidade macroeconômica.

Em termos de política externa, a priorização às empresas brasileiras com atuação global, ou mesmo às multinacionais aqui instaladas, induz os governos a buscarem novos mercados, onde as vendas de produtos, bens e serviços produzidos internamente ampliem as nossas exportações. Desse modo, é um equívoco desvincular a política diplomática do governo Lula dessa estratégia, de extremo interesse dessas transnacionais.

Lula, como um político vindo da esquerda, sabe explorar muito bem esse seu viés e coloca-lo a serviço de uma política agressiva de aproximação comercial com países que acumulam tensões com países como os Estados Unidos, como é o caso da Venezuela ou o Irã.

A política externa brasileira – ancorada em uma diplomacia dita progressista – defende uma espécie de livre comércio, onde a atual divisão internacional de trabalho, de preferência dos países do norte, é reforçada. A idéia defendida por Lula (que nesse sentido repete FHC) é a de abertura dos mercados agrícolas dos países da Europa e dos Estados Unidos aos nossos produtos, em troca de uma maior tolerância brasileira para a abertura dos nossos mercados industrial, de serviços e de compras governamentais.

Esta posição já nos colocou em rota de choque com países em desenvolvimento, em mais de uma ocasião. Em Cancun e em Genebra, nas reuniões da OMC para se tentar concluir a chamada Rodada de Doha, ficou patente a diferença de enfoque dessa questão entre o nosso governo e os interesses de países como a Índia, a Malásia, a Indonésia ou a nossa vizinha Argentina.

Destacar, portanto, as virtudes de nossa diplomacia externa, sem se dar conta de sua funcionalidade na defesa e fortalecimento de um modelo econômico ditado por bancos e transnacionais, é no mínimo uma total ingenuidade. Na época da ditadura, em pleno governo Geisel, o Brasil foi o primeiro país no mundo a reconhecer o governo de Angola, de orientação marxista-leninista, que acabara de vencer a luta anti-colonial contra Portugal. Na época, em 1974, sem se deixar de reconhecer a importância da decisão brasileira, especialmente para os angolanos, não houve nenhuma margem de dúvida sobre o que de fato estava em questão, na lógica dos interesses da ditadura militar-empresarial brasileira.

O modelo periférico-liberal também não se resume apenas a uma política. Dependendo da conjuntura, a política econômica deve se adaptar às diferentes circunstâncias e contingências que cada momento exige, de acordo inclusive com o que já vivenciamos a partir de 1994.

Do lançamento do Plano Real até 1998, tivemos uma política administrada de câmbio fixo. Frente à crise cambial que se explicita no segundo semestre daquele ano, essa política é substituída, no início de 1999, pelo regime cambial flutuante e a introdução de uma política monetária baseada no modelo de metas de inflação, além, na política fiscal, da exigência – imposta pelo FMI – de metas de superávit primário.

Esta política não sofre maiores alterações com o governo Lula. A exceção fica por conta das metas de superávit primário, elevada pelo governo que se inicia em 2003.

Com a conjuntura internacional produzindo uma folga em nossas contas externas, o governo Lula se beneficia de taxas de crescimento da economia um pouco maiores a partir de 2004, e ampliam-se os mecanismos de financiamento ao consumo – mesmo que com taxas de juros exorbitantes.

Contudo, embora contemple sobremaneira os bancos e transnacionais, este modelo sacrifica a população ao menos em dois importantíssimos aspectos.

Primeiramente, nos condena a taxas de crescimento econômico extremamente baixas, frente às nossas potencialidades e necessidades. Apesar da propalada diferença dos efeitos do modelo nos governos Lula e FHC, a taxa média de crescimento da economia brasileira nesses sete anos do atual governo ficou em 3,6%, contra uma média de 2,3% nos oito anos de governo FHC.

Contudo, torna-se forçoso reconhecer que a economia mundial teve um crescimento bastante significativo, entre os anos de 2003 e 2008. E apesar desta elevação média das taxas de crescimento internas, sob o ponto de vista internacional perdemos espaço na economia global, pois praticamente todos os países obtiveram taxas de crescimento mais elevadas do que às obtidas por nós, nesses últimos anos.

Conforme dados de um recente estudo do professor Reinaldo Gonçalves, a participação do Brasil na produção agregada mundial era, em 2002, de 2,81%. Em 2009, essa participação havia praticamente se mantida estável, com uma leve queda para 2,79%. Caso, entretanto, levemos em conta a participação média do PIB brasileiro no conjunto da produção mundial, o resultado é de 2,93%, no governo de FHC, caindo para 2,74%, no governo Lula.

O outro aspecto que evidencia os prejuízos desse modelo se relaciona à qualidade desse crescimento e do tipo de atividade econômica que temos implementado no país, com fortes impactos no meio-ambiente e uma geração de empregos de baixa qualificação.

Porém, o que quero lembrar como mais grave é o galopante endividamento que esse modelo nos impõe, sacrificando mais de 30% do Orçamento da União com o pagamento de despesas financeiras. Esse fato compromete todas as políticas públicas voltadas para a população, como é o caso da Educação, da Saúde, dos Transportes Públicos, da Habitação Popular, ou do Saneamento.

Paulo Passarinho é economista e presidente do Corecon/RJ

Fonte: Fundação Lauro Campos