AS DENÚNCIAS DE LAIR
As suspeitas contra o governo
Pivô do escândalo do Detran, Lair Ferst entregou ao MPF acusações envolvendo campanha de Yeda e início da administração
Desde fevereiro, quando a deputada Luciana Genro deu entrevista ao lado do vereador Pedro Ruas, ambos do PSOL, revelando denúncias que teriam sido feitas por Lair Ferst contra a governadora Yeda Crusius, os gaúchos convivem com a dúvida sobre se o pivô do escândalo do Detran estaria colaborando com as investigações. A confirmação veio ontem por meio de documentos a que Zero Hora teve acesso.
No ofício OF/SECRIM/PRRS/Nº 2669, datado de 16 de abril, o procurador Alexandre Schneider encaminha ao então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, um texto escrito por Lair detalhando 20 supostas irregularidades que teriam sido cometidas na campanha de 2006 e no início do governo de Yeda. ZH teve acesso a 12 páginas das 13 páginas escritas em computador por Lair, rubricadas e numeradas pelo protocolo da Procuradoria-Geral da República.
Lair conta desde sua aproximação da campanha até suposta oferta de propina à governadora feita pelo grupo responsável pela fraude no Detran. No relato, afirma que a casa de Yeda foi comprada por R$ 1 milhão, e não por R$ 750 mil, como está no contrato, e que a diferença foi paga com caixa 2.
São levantadas suspeitas sobre mais de 30 pessoas ou empresas. Lair descreve um cenário de farto caixa 2. Um dos 20 fatos afirma que a SP Alimentação, fornecedora de merenda escolar para a prefeitura de Canoas, doou R$ 500 mil que foram utilizados no início da organização da campanha. Os valores teriam chegado ao comitê por meio de Chico Fraga, então secretário de Governo de Canoas. A SP é suspeita de envolvimento na fraude no município.
O dinheiro não contabilizado normalmente era recebido por Marcelo Cavalcante, ex-assessor morto em fevereiro, e por Walna Meneses, assessora de Yeda e, segundo o depoimento, “controladora do caixa 2”. Lair faz ataques ao ex-marido de Yeda. Conta que Crusius era avisado da chegada de doações. Muitas vezes, à noite, diz o relato, Crusius buscava dinheiro no comitê e levava para o apartamento da candidata. Os recursos nunca mais retornavam.
MPF e Lair não confirmam os relatos
Mesmo com o surgimento de documentos, Lair Ferst e o Ministério Público Federal (MPF) não confirmam a existência das denúncias. O chefe da Procuradoria Regional da República, Antônio Carlos Welter, disse que só hoje poderá confirmar se os ofícios a que ZH teve acesso saíram da Procuradoria.
Por ser domingo, ele não teria como consultar os arquivos da correspondência e, de memória, não poderia falar sobre expediente encaminhados ao então procurador-geral Antonio Fernando de Souza.
Welter também não confirmou a existência de acordo de delação premiada com Lair, sustentado pela deputada Luciana Genro (PSOL) em fevereiro. Disse que os procuradores não podem falar sobre acordos nem se manifestar sobre investigações que envolvem pessoas com foro privilegiado.
Já Lair nega a delação. Segundo ele, caso existam “alguns relatos”, devem ter saído de rascunhos que estariam com Magda Koenigkan, viúva de Marcelo Cavalcante. Lair disse não poder confirmar nada porque os fatos podem ser “objeto de investigações que os procuradores estejam fazendo”:
– Também não posso confirmar o conteúdo desses relatos. Há fatos que eu, realmente, presenciei e acompanhei, e outros dos quais fiquei sabendo, mas não posso dar autenticidade a essas informações. Teria de ver esse documento para dar o contexto.
As 12 páginas do documento confirmam parte das denúncias feitas por líderes do PSOL em fevereiro. A primeira delas: os procuradores da República realmente têm em mãos um depoimento de Lair. Na oportunidade, o partido relatou nove episódios de suposta corrupção na corrida eleitoral de 2006 e no início do governo. A maior parte dos casos aparece nos relatos do lobista. O documento, porém, não confirma a existência de vídeos comprovando as denúncias, mas apenas de áudios. Em 17 dos 20 fatos listados no documento, há indicação de existência de áudio.
Há, porém, algumas divergências nas versões. O PSOL afirmou que Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda, teria recebido R$ 100 mil por fora do empresário Humberto Busnello, o que não aparece no relato de Lair. Também não há menção a uma suposta reunião em que Aod e outros teriam recebido R$ 500 mil da MAC Engenharia. Segundo Lair, no entanto, ex-secretário da Fazenda estava presente na reunião em que foi acertada a doação de R$ 400 mil por duas fumageiras. Aod teria pedido, em nome de Yeda, que os valores fossem entregues sem recibo.
Aod afirma nunca ter pedido ou recebido recursos durante a campanha. Diz que era chamado para encontros com empresários para falar do plano de governo, do qual foi coordenador. Aod confirma ter ido ao encontro dos representantes das fumageiras, ouvido suas queixas sobre o setor e deixado a sala sem pedir ou receber qualquer valor.
O confronto de versões
O que contém o documento escrito por Lair Ferst em relação à governadora Yeda Crusius e aliados
A confirmação de que Lair Ferst prestou informações ao Ministério Público Federal que foram posteriormente encaminhadas para apuração da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, abre novo capítulo em um escândalo que veio a público em 2007. Em 6 de novembro desse ano, com a Operação Rodin, deflagrada pela Polícia Federal (PF), os gaúchos conheceram detalhes de um esquema criminoso que envolveria agentes públicos gaúchos.
Lair foi apontado no contexto da investigação da fraude milionária do Detran como um dos principais articuladores do esquema. Ele sempre negou a suspeita e deu a entender que sabia mais do que havia contado nos depoimentos à PF.
Por mais de uma ocasião, a possibilidade de uma delação premiada dele causou alvoroço entre os outros réus e advogados da Rodin, que se sentiam traídos. A dúvida permaneceu mesmo depois de o PSOL ter vindo a público, em fevereiro deste ano, e ter atestado que as informações de Lair envolviam irregularidades na campanha de 2006 e na gestão de Yeda Crusius no governo.
Há cerca de uma semana, no entanto, a Procuradoria-Geral da República confirmou a existência de um expediente de investigação em relação à governadora, embasado em documentos oriundos do Rio Grande do Sul.
No conjunto de documentos ao qual Zero Hora teve acesso, consta um ofício de encaminhamento à Procuradoria-Geral da República de documento com as informações que teriam sido prestadas por Lair. O ofício está assinado por um dos procuradores da República que integram a força-tarefa da Rodin, Alexandre Schneider. A partir de agora, novos detalhes sobre o maior caso de corrupção já investigado no Estado devem vir à tona.
ROSANE DE OLIVEIRA
Mistério desfeito
Acabaram-se as dúvidas sobre a existência ou não de um depoimento de Lair Ferst entregando antigos companheiros do PSDB. Lair fez denúncias gravíssimas ao Ministério Público Federal, envolvendo a governadora Yeda Crusius, seu ex-marido, Carlos Crusius, secretários de Estado, assessores e deputados. Por envolver pessoas com foro privilegiado, o depoimento foi encaminhado em 16 de abril ao então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pelo procurador gaúcho Alexandre Schneider.
Ninguém irá confirmar se a delação foi premiada ou não. Esse tipo de acordo tem uma cláusula de sigilo, e tanto o réu colaborador quanto os procuradores assumem o compromisso de não tornar pública sua existência, até por uma questão de segurança. Se foi ou não delação premiada, é irrelevante: o que importa é o conteúdo.
Lair nega ter feito a delação premiada, mas o conteúdo das denúncias resumidas no documento a que Zero Hora teve acesso bate, em parte, com o que a deputada Luciana Genro relatou numa entrevista coletiva em fevereiro deste ano. Luciana falou de nove pontos, e o depoimento de Lair tem 20. Há inconsistências em relação a determinados pontos, como nas denúncias que envolvem o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha, mas fica claro que Luciana teve acesso a, no mínimo, um resumo das denúncias. O conteúdo também guarda semelhança com relatos feitos por Lair Ferst a pessoas de sua confiança.
Uma coisa, porém, não aparece no material encaminhado por Schneider com o ofício OF/SECRIM/PRRS/Nº 2669: os vídeos que Luciana e o vereador Pedro Ruas dizem ter visto. No depoimento definido como “da lavra de Lair Antônio Ferst” só aparecem menções a “áudios” e testemunhas. Aparentemente, são as gravações feitas por Lair com o amigo Marcelo Cavalcante, ex-chefe da representação gaúcha em Brasília, que apareceu morto no Lago Paranoá em fevereiro. Essas gravações se tornaram públicas em reportagem da revista Veja na qual a viúva de Marcelo, Magda Koenigkan, confirmou que ele iria depor ao MPF e apresentou as fitas.
Não se pode tomar a palavra de Lair como definitiva, até porque ele é um dos réus na Operação Rodin. O que Lair forneceu foram pistas para o Ministério Público e a Polícia Federal investigarem com os meios de que dispõem. Somente depois de quebrar sigilos, cruzar dados e montar o quebra-cabeça das relações é que se poderá saber se as denúncias têm fundamento.
Aliás
O Ministério Público Federal não pode dizer se houve delação premiada, mas deve informar, nos próximos dias, todas as providências adotadas a partir das investigações que continuou fazendo após denunciar os réus no escândalo do Detran.