Não tenho clareza se a sensação é de asco ou de angústia.
Como velho jornalista, sou de uma geração em que, quando a polícia chegava, convinha chamar o ladrão, como bem lembra Chico Buarque. Sou da geração em que o patronato da grande mídia tinha profunda preocupação com o que ia na cabeça de seus editores e redatores, “contaminados ” por ideais éticos de que a profissão tinha compromissos com a verdade, com a justiça social e com a independência em relação aos poderes institucionais.
Pois a partir da cobertura do Ato Nacional do PSOL, realizado numa Cinelândia ameaçada por um temporal que terminou desabando logo depois do encerramento com o Hino Nacional e a Internacional cantados a plenos pulmões por uma militância jovem e aguerrida, o que constato da leitura dos jornais principais não é nada saudável.
Começo pela Folha de S. Paulo, onde foto de Heloísa Helena com o delegado Protógenes fazia antever matéria minimamente objetiva. Mas, qual o quê?
A matéria, no essencial, mente e distorce, a partir do registro da quantidade e a qualidade militantes das pessoas presentes – 300, segundo a desonesta repórter.
Mente e distorce, pois só de São Paulo, mais de 300 vieram em delegação formada por jovens universitários que se quotizaram no aluguel de oito ônibus lotados, cada um com 40 militantes. Para além disso, some-se os ônibus vindo de Porto Alegre, onde o PSOL tem importante inserção no movimento estudantil e de jovens em geral. Vamos mais longe; e os militantes de diversos municípios do Estado do Rio sem considerar a imensa quantidade de jovens oriundos de vários estados.
Mas a “competente” repórter não viu nada disso, como também não levou em conta uma original delegação de surfistas que terminou, por sua ousada participação, tendo representação entre os oradores do carro de som, num discurso de saudação emocionada a Protógenes e a Heloísa Helena.
A repórter estava preocupada em encontrar e “denunciar” a presença de jovem de comunidade carente que ali estava por ter sido levada em um ônibus que lhe oferecia passeio grátis.
Pode ser. Caso que sempre ocorre em quem ousa promover ato político em praça pública, em período de intensa desmobilização social; de intensa apatia e descrença diante da vida política, por conta da pantomima armada nessa disputa fajuta, por que de irmãos quase gêmeos, entre PT e PSDB.
E, por conta disso, a repórter deixou de indagar o que realmente nos preocupou no resultado final. Porque o PSOL e a Fundação Lauro Campos contavam que, para além dos cerca de 1,3 mil militantes, contássemos com uma participação mais intensa da chamada massa inorgânica. Nas panfletagens anteriores em que o ato era divulgado, havia interesse evidente em saber da certeza da presença de Heloísa e Pro tógenes nas muitas pessoas que acorriam ao mini-carro de som que anima os eventos das sextas-feiras do Buraco do Lume.
E não foi isso que se registrou. Houve participação pequena dos segmentos externos, que não se explica somente pelo fato de um temporal se fazer anunciar desde as primeiras horas da tarde. Mas isto não estava na lista de preocupações jornalísticas da jovem repórter da Folha.
Quanto à cobertura das Organizações Globo, bom… aí, não há nada de surpreendente. Embora estivessem presentes e preocupados em gravar a íntegra das intervenções de Protógenes e de Heloísa, não tiveram a mesma preocupação quando se tratou da divulgação. Só é de se esperar que as íntegras desses discursos – por suposto, de altíssima intensidade emocional e política – não tenham sido feitas para presentear o presidente do Supremo, o ínclito ministro Gilmar Mendes.
Já o jornalão nem comentário merece. Pois o que comentar de uma editoria política que omite totalmente um ato público em pleno centro do Rio para valorizar a baboseira da reeleição de Dornelles à presidência do PP?
Só há uma explicação racional: deliberada discriminação ideológica. Decisão pensada de tirar Heloisa Helena do noticiário. Defesa antecipada do comportamento marcadamente pró-classes dominantes do Ministro Gilmar Mendes, em relação à Operação Satiagraha, que o delegado Protógenes conduziu com tanto êxito.
Como? Não, PP nada tem a ver com PQP.
Milton Temer, presidente da Fundação Lauro Campos
O texto foi publicado originalmente no site da Fundação Lauro Campos