Correio do Povo, 8 de dezembro de 2010
Correio do Povo, 8 de dezembro de 2010

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Luciana Genro e a inelegibilidade

Luciana Genro, candidata do PSol a deputada federal, obteve 129.501 votos. Não conquistou vaga: a legenda obteve 179.578, cifra inferior ao quociente eleitoral estadual da eleição: 193.114. Vinte e três candidatos, de 31, se elegeram com menos votos.

Elegeu-se, na mesma data, Tarso Genro, seu pai, e ela se tornará inelegível no Estado, se este não renunciar ao cargo seis meses antes das eleições de 2014 (§ 7 do art. 14 da Constituição da República). O propósito da norma é evitar que o governante use o cargo em favor dos parentes, atendendo ao princípio do equilíbrio da competição. Porém, se reeleita, Luciana poderia concorrer em 2012 ou 2014, ainda que o pai não renunciasse (final do § 7 do referido artigo). Ele próprio poderá concorrer à reeleição sem se afastar nenhum dia, como fez a governadora, em 2010.

Luciana, além de pertencer a outro partido, sustenta debate político com o Partido dos Trabalhadores e o próprio pai, como é notório. Ela o critica, quando entende necessário. Ele fará o mesmo. O fato, aliás, não os deslustra. Que sentido tem, pois, a restrição, se o pai não usará de recursos oficiais para auxiliar a eleição da filha? Pode-se falar em continuísmo familiar, no caso? A regra constitucional, portanto, se literalmente aplicada ao caso, desequilibrará o pleito, ao invés de equilibrar.

Assim, interpretação constitucional não meramente gramatical – teleológica e sistemática – torna perfeitamente defensável a pretensão de candidatura. Afasta-se uma regra, pela peculiaridade do caso, para aplicação de um princípio. Tribunais do mundo, em geral, fazem uso corrente de técnicas como a ponderação, quando ocorre conflito entre princípios, ao invés da mera subsunção. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal Eleitoral já fizeram a seguinte “construção”: criaram hipótese de perda de mandato, não prevista no texto, no caso de parlamentar que troque de partido sem justo motivo.

Veja-se o voto majoritário do ministro Sepúlveda Pertence no Supremo Tribunal Federal: “Mas, é lugar comum que o ordenamento jurídico e a Constituição, sobretudo, não são aglomerados caóticos de normas; presumem-se um conjunto harmônico de regras e de princípios: por isso, é impossível negar o impacto da EC 16 sobre o § 7 do art. 14 da Constituição, sob pena de consagrar-se o paradoxo de impor-se ao cônjuge ou parente do causante da inelegibilidade o que a este não se negou: permanecer todo o tempo do mandato, se candidato à reeleição, ou afastar-se seis meses, para concorrer a qualquer outro mandato eletivo. Nesse sentido, a evolução da jurisprudência do TSE, que o STF endossa, abandonando o seu entendimento anterior” (RE 344.882, julgamento em 7-4-2003).

Luciana Genro fará um esforço para criar clima jurídico favorável ao registro de candidatura como vereadora em Porto Alegre, em 2012. O artigo procura atender a este chamamento.

Marcus Vinicius Antunes
professor de Direito Constitucional na PUCRS