A provável agenda legislativa de Dilma na área econômica
Nesta semana, a presidente eleita, Dilma Rousseff, se manifestou sobre medidas a serem tomadas na esfera econômica de seu governo. A imprensa também antecipou algumas medidas que podem ser implementadas, citando inclusive alguns projetos legislativos nocivos à classe trabalhadora.
Apesar dessa agenda econômica ainda não estar definida, é importante que o PSOL e os movimentos sociais estejam alerta e mobilizados. A experiência do início do governo Lula, em 2003, mostra como o governo do PT pode lançar mão de medidas jamais reveladas antes de tomar posse, como o ataque a direitos duramente conquistados pelos trabalhadores, que nem o governo FHC havia conseguido extinguir.
Garantia aos rentistas: o ajuste fiscal continua
Em seu discurso feito logo após eleita, Dilma Rousseff garantiu aos rentistas, “acima de tudo”, o “compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados”. A proposta orçamentária para 2011, encaminhada pelo próprio governo Lula/Dilma ao Congresso em agosto, garante metade do orçamento para juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública.
Segundo a própria presidente eleita, o superávit primário deve ser mantido em 3,3% do PIB nos quatro anos de seu governo, de forma a permitir a redução da dívida pública. A ideia seria permitir que a taxa de juros real caia para 2% ao ano, sob a justificativa de que, com medidas de “austeridade fiscal”, a inflação seria contida e o mercado se convenceria do compromisso do governo com o pagamento da dívida. Porém, o país pratica altíssimos superávits primários há mais de uma década e continuamos a praticar a maior taxa de juros do mundo.
Para implementar essa política, a ampla base parlamentar de Dilma pode ser acionada para concluir a votação de algumas propostas legislativas, conforme listamos a seguir.
PLP 549: Congelamento do salário dos servidores públicos por 10 anos
Segundo o jornal O Globo, de 3 de novembro, uma das medidas que pode ser implementada pelo governo Dilma é o Projeto de Lei Complementar 549/2009, originário do Senado, que congela o salário dos servidores por 10 anos. O PLP limita o crescimento do gasto com pessoal à inflação mais 2,5% ao ano (ou o crescimento do PIB, o que for menor), o que mal cobre o crescimento vegetativo da folha, e impede a necessária expansão dos serviços públicos no país.
Apesar desse PLP já ter sido rejeitado por unanimidade em maio deste ano na Comissão de Trabalho da Câmara, ele segue a sua tramitação, e ainda pode ser aprovado em Plenário.
PL 1992: Reforma da Previdência
O jornal O Globo de 3 de novembro também indica a possibilidade do governo Dilma procurar estabelecer a idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores do setor privado (INSS), e implementar o fundo de pensão para os servidores públicos.
Esta última proposta está contida no Projeto de Lei 1992/2007, apresentado pelo governo Lula para regulamentar a Reforma da Previdência de 2003, de forma a permitir a instituição do teto do INSS para os servidores públicos. Para receber mais, os servidores deverão contribuir para fundo de pensão, cujos recursos serão geridos por banqueiros, ou seja, o PL 1992 representa mais um privilégio para os rentistas, às custas dos trabalhadores.
O projeto se encontra parado na Comissão de Trabalho da Câmara, mas pode ser acelerado pela nova base parlamentar do governo Dilma.
PLP 306: Volta da CPMF
Para aumentar os recursos da saúde sem afetar o cumprimento do superávit primário (ou seja, sem prejudicar os rentistas), Dilma já sinalizou que apoiará a recriação da CPMF, apoiada pelos governadores aliados. Para tanto, Dilma pode orientar sua grande base parlamentar para terminar a votação do Projeto de Lei Complementar 306/2008 (que regulamenta a Emenda Constitucional 29) para que a CPMF seja recriada, sob a nova designação de “CSS”.
Apesar dessa contribuição ser de apenas 0,1% (ao invés dos 0,38% da antiga CPMF), e de prever algumas isenções, ela continuaria a onerar os preços dos produtos, inclusive os essenciais à sobrevivência, prejudicando principalmente os mais pobres. Enquanto isso, propostas como o Imposto sobre Grandes Fortunas, feitas pela bancada do PSOL, são colocadas de lado pela base do governo.
A CSS geraria uma receita dezenas de vezes menor que os gastos com a dívida, ou seja, a CSS não seria necessária caso o país não destinasse a maior parte dos recursos orçamentários para o pagamento da dívida pública.
Já a oposição DEM/PSDB também ataca a CSS, porém, sem mencionar a questão do endividamento público.
PLN 59: Salário Mínimo
Enquanto a remuneração da dívida pública segue garantida, não há nenhuma garantia de aumento real para o salário mínimo em 2011. O governo somente aceita conceder reajuste de 5,5%, como recomposição das perdas inflacionárias, o que leva a um mínimo de R$ 538,15 em 2011. Nesta semana, as centrais sindicais se reuniram com o relator do Orçamento, senador Gim Argello (PTB/DF), para reivindicar um salário mínimo de R$ 580. Porém, Argello apenas se comprometeu com um “aumento” de R$ 1,75, alegando que cada R$ 1 de aumento gera uma despesa de R$ 286,4 milhões para o governo, com pagamento de aposentadorias e outros benefícios vinculados ao salário mínimo.
Portanto, para se obter o salário mínimo pedido pelas centrais, seriam necessários R$ 12 bilhões, quantia equivalente a apenas 12 dias de pagamento da dívida (que em 2009 consumiu R$ 380 bilhões).
Por sua vez, a presidente eleita, Dilma Rousseff, apenas aceitará um aumento real do salário mínimo em 2011 se este aumento for descontado do aumento a ser concedido em 2012. De qualquer forma, o salário mínimo atingiria cerca de R$ 600 ao final de 2011, ou início de 2012.
Porém, o presidente Lula havia prometido dobrar o poder de compra do salário mínimo em seu primeiro mandato. Para que esta promessa fosse cumprida, o mínimo já deveria estar hoje em quase R$ 700.
Importante ressaltar também que, de acordo com o Art. 7°, IV da Constituição Federal, é direito do trabalhador o salário mínimo capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Segundo o Dieese, o salário mínimo necessário para se atender a esses requisitos seria de R$ 2.132,09 em outubro de 2010.
Governo estimula farra de rentistas internacionais e depois reclama de ‘guerra cambial’
O governo brasileiro está preocupado com a chamada “guerra cambial”, ou seja, a desvalorização de moedas por parte de governos como os EUA e a China. Isso dificulta as exportações brasileiras e barateia as importações, gerando grande rombo nas contas externas e destruição da indústria nacional. Como consequência, o setor que mais tem gerado empregos atualmente é o de serviços, e não o industrial.
Nesta semana, o FED (banco central norte-americano) decidiu injetar mais US$ 600 bilhões na economia, o que gerará mais desvalorização da moeda americana.
Porém, a grande desvalorização do dólar frente ao real tem sido, na verdade, estimulada pelo governo nos últimos anos, por meio do estabelecimento das maiores taxas de juros do mundo, que atrai dólares do mundo inteiro. Em 2006, o atual governo isentou de imposto de renda os ganhos dos estrangeiros com a dívida interna. Agora, assustado com o enorme fluxo estrangeiro, tenta tributá-lo com o IOF.
Além dos juros, os investidores também ganham com a desvalorização do dólar. Isso porque, quando o dólar cai, eles podem remeter a seus países de origem mais dólares do que trouxeram originalmente, visto que o dólar se desvalorizou frente ao real. Esse lucro adicional também é obtido por bancos brasileiros que tomam empréstimos lá fora a juros baixos para aplicar em títulos da dívida brasileira.
E quem banca esse ganho? O Banco Central, que compra os dólares dos investidores e fica com o “mico”, ou seja, o dólar, que tem se desvalorizado. Por outro lado, o BC acumula uma montanha de reservas internacionais em dólares e as aplica principalmente em títulos da dívida dos EUA, que não rendem quase nada, e ainda financiam as políticas estadunidenses. Essa política gerou um prejuízo gigantesco ao Banco Central em 2009: R$ 147 bilhões, que segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal tiveram de ser cobertos pelo Tesouro.
Se, por um lado, o BC diz que as compras de dólares são necessárias para se tentar evitar mais desvalorização do dólar, por outro lado analistas do próprio mercado financeiro reconhecem que essa política estimula ainda mais os investidores a trazerem dólares para o Brasil, pois têm a certeza de que o BC irá comprá-los, coisa que ninguém mais quer.
Agora, boa parte destes R$ 600 bilhões injetados na economia americana virão para o Brasil, para ganhar com a dívida interna, e serão comprados pelo Banco Central, que novamente fará tudo que os EUA mais desejam: comprar mais títulos da dívida dos EUA, financiando as políticas estadunidenses, como o salvamento de bancos falidos.
Para acabar com essa farra dos rentistas e combater de verdade a “guerra cambial”, é necessário reduzir significativamente as taxas de juros, controlar os fluxos de capitais – impedindo que os especuladores internacionais venham aqui para lucrar às custas do povo – e, principalmente, auditar a dívida pública, repleta de graves indícios de ilegalidades, conforme mostraram as investigações da recente CPI da Dívida na Câmara dos Deputados.