Leo Lince
O reajuste de 7,7% para os aposentados com rendimentos acima do salário mínimo, depois de muita pressão, foi aprovado nas duas casas do Congresso Nacional. Alvíssaras! Em véspera de eleições o parlamento é sempre mais permeável. A decisão, no entanto, continua na gaveta do chefe do Executivo. Em dúvida sobre o risco eleitoral de sua propensão ao veto, ele empurra com a barriga.
Enquanto isso e até por conta de tal hesitação e demora, o oligopólio midiático sintonizado com o modelo dominante aciona seus tentáculos. Todo santo dia o cidadão é bombardeado pelo chumbo grosso de uma propaganda contrária ao aumento dos aposentados. A disputa pelos recursos do orçamento público, normal nas condições de um maior equilíbrio democrático, ganha uma vestimenta ideológica marcada por uma impressionante agressividade.
Rádios, revistas, televisões e, principalmente, os jornalões de circulação nacional, cerram fileiras em torno de uma campanha feroz. Editoriais, articulistas adestrados, economistas de banco, matérias e pesquisas ideologicamente orientadas, sempre batendo na mesma tecla. ‘Não pode, é febre de gastança’. ‘Projeto demagógico, poderoso fator de desequilíbrio’. ‘Ruinoso para a contabilidade pública, uma hemorragia de gastos’. ‘Populismo anacrônico, fora de contexto, tumultua a gestão fiscal’. São alguns dos petardos da guerra ideológica contra os aposentados.
Querem o veto ao reajuste dos aposentados e apresentam tal decisão como resultante de um suposto “clamor técnico”. Mentira. Não há “clamor técnico” algum, nem sangria desatada. A diferença entre a proposta original do Executivo e o que resultou da votação no Parlamento, como despesa orçamentária, equivale a R$ 1,1 bilhão anual. Quantia bem menor do que os R$ 13,8 bilhões anuais resultantes do aumento de 0.75% na taxa Selic, decretado na mesma época pelo Banco Central. E não se ouviu falar em “clamor técnico” ou “poderoso fator de desequilíbrio”.
Em 2009, os juros e amortizações da dívida pública consumiram 36% do orçamento federal. Um absurdo. Nenhum jornal, no entanto, chamou de estorvo. Um sumidouro de recursos que não merece campanha na mídia grande e nem parece preocupar os titulares da República. Os que se declaram estarrecidos com o aumento de 7,7% dos aposentados não se incomodam o mais mínimo com os inacreditáveis R$ 2,2 trilhões da dívida pública.
Dilma Rousseff, candidata oficial do sistema, forneceu explicações muito esclarecedoras sobre a aceleração vertiginosa do endividamento. Em entrevista recente na rádio CBN, ela afirmou que a dívida cresceu porque, na crise, o governo teve que liberar US$ 100 bilhões do compulsório para os banqueiros. Cresceu também porque o governo teve que injetar US$ 180 bilhões no BNDES para que se pudesse garantir empréstimos e patrocinar fusões e incorporações de grandes empresas em dificuldades. Além de, para tranqüilizar os investidores estrangeiros, bancar reservas internacionais da ordem de US$ 250 bilhões. Tudo muito claro.
A campanha cerrada contra o reajuste dos aposentados, neste quadro, faz sentido. Ela é uma contrapartida lógica do vergonhoso tributo ao grande capital, que trata com naturalidade a dívida monstruosa. São elementos de uma ideologia dominante que faz do Brasil o que ele é hoje: inferno dos aposentados e paraíso dos rentistas.
Leo Lince é sociólogo e mestre em ciência social
Fonte: Fundação Lauro Campos