CONFRONTO ABERTO
Aval para o impeachment
Com a decisão do presidente da Assembleia, o pedido de afastamento de Yeda Crusius será apreciado pelo plenário
Cercado por sindicalistas, políticos de oposição e câmeras de TV, o presidente da Assembleia Legislativa, Ivar Pavan (PT), anunciou seu aval para a tramitação do processo de impeachment contra a governadora Yeda Crusius. A medida, inédita no parlamento gaúcho, acirrou o confronto político no Estado.
Como o governo tem a maioria dos deputados, dificilmente o impeachment irá prosperar na Assembleia. A decisão de Pavan, no entanto, significa mais desgaste para Yeda, que desde o ano passado vem enfrentando suspeitas de corrupção em seu governo. Um dos próximos passos será a leitura integral das acusações que pesam contra a governadora, no plenário do Legislativo, na sessão de terça-feira, quando se inicia o longo rito que resultará no arquivamento do impeachment ou na perda de mandato de Yeda.
Em anúncio transmitido pela TV Assembleia, Pavan disse ter tomado a decisão a partir de uma análise de 26 situações que ligariam a governadora ao esquema de desvio de R$ 44 milhões do Detran. Autos dos processos que tramitam na Justiça Federal em Santa Maria foram analisados pelo presidente por quase uma semana.
Ontem, o petista confirmou a posição aguardada por correligionários que gritaram “Fora Yeda” em coro.
Uma das manifestantes que gritavam no gabinete de Pavan era a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira. A professora foi a principal responsável pelo protesto em frente à casa de Yeda que acabou levando à prisão Rejane e a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), entre outros manifestantes. Rejane é uma das servidoras que assinou o pedido de impeachment.
– Não sou nem líder da oposição nem líder do governo. As decisões são do presidente e não deste ou daquele partido – dizia Pavan a quem indagava sobre o peso do PT na decisão.
Apesar de negar a influência do partido, o petista era pressionado publicamente por colegas como Raul Pont (PT), que não admitiam o arquivamento do caso. Antes mesmo de anunciar sua decisão, Pavan disse que estava preparado para receber críticas, porque sua posição desagradaria a alguém. Se engavetasse o pedido, o petista daria um atestado de inocência a ser explorado pela governadora, como ela faz até hoje com o arquivamento, pelo Ministério Público Estadual, da investigação sobre a compra de sua casa. Outra consequência de uma eventual decisão favorável a Yeda seria o racha interno. Os petistas consideravam incoerente manter a CPI da Corrupção, com o discurso de que Yeda está envolvida, e o presidente do Legislativo dizer que não encontrou indícios de crime de responsabilidade.
Mesmo previsível, a medida irritou governistas durante a reunião do secretariado na qual Yeda discutia a proposta de orçamento para 2010, com previsão de investimentos em torno de R$ 1,5 bilhão. O anúncio de Pavan no dia em que o Executivo daria a boa notícia foi encarado como uma estratégia de ataque eleitoral.
Nos últimos dias, aliados chegaram a conversar com Pavan dizendo que apostavam numa “postura responsável”. Havia a esperança pelo arquivamento porque o petista ascendeu à presidência em razão de acordo com partidos da base aliada.
Indignados com a decisão, governistas afirmavam que uma tradição de sepultamento de pedidos de impeachment havia sido rompida, e que isso gerará desconfiança sobre gestões do PT, que preside a Assembleia pela primeira vez. Nos corredores do Legislativo, muitos lembravam que a oposição detinha maioria – mais de 40 dos 55 deputados – no governo Olívio Dutra (1999-2002) e não levou pedidos de impedimento ao plenário.
– Lamento a atitude pessoal e midiática do presidente. A reação será muito forte. É a antecipação das eleições – disse o líder do governo, Pedro Westphalen (PP).
O discurso governista hoje é de que a juíza federal Simone Barbisan Fortes não afastou a governadora nem decretou a indisponibilidade de seus bens ao analisar a ação civil pública de improbidade do Ministério Público Federal (MPF). O material do MPF fundamentou a decisão de Pavan.
– Seria prudente aguardar um desfecho pela Justiça. A nossa preocupação é que isso vai ter uma repercussão nacional e internacional, gerando incertezas em investidores – relatou o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian.
Por que é inédito
– Apesar de o governador Olívio Dutra (1999-2002) ter enfrentado vários pedidos de impeachment, as acusações envolviam outros temas como o não-pagamento de precatórios (dívidas cujo pagamento é ordenado pela Justiça) e o rompimento de contrato com a Ford. Outra diferença era o rito. A decisão preliminar não passava pelo presidente da Assembleia. Após a análise do procurador-geral da Casa, cabia à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) avaliar se o caso deveria prosseguir.
– Os pedidos contra o petista não chegaram ao plenário. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) definir que é responsabilidade da União definir os procedimentos de impeachment há dois anos, a Assembleia passou a seguir as regras federais e ignorar o regimento interno. O primeiro caso conforme os novos parâmetros é o de Yeda.
“Inédito é o esquema de corrupção descoberto no Rio Grande do Sul”
Entrevista: Ivar Pavan (PT), presidente da Assembleia Legislativa
Ao tomar a decisão de dar encaminhamento a um pedido de impeachment contra a governadora Yeda Crusius, o presidente da Assembleia, Ivar Pavan, virou alvo de críticas dos deputados ligados ao governo. Se tivesse mandado arquivar o processo, Pavan continuaria sendo alvo de críticas, só que desta vez por parte do PT.
Em entrevista a Zero Hora, Pavan nega ter sofrido pressões e diz que a responsabilidade pela decisão é sua:
Zero Hora – O governo diz que o senhor tomou a decisão pensando com a cabeça da oposição, e não como um magistrado. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Ivar Pavan– Tomei uma decisão orientada pelos fatos que estão contidos no processo. Não estou preocupado com a repercussão na situação nem na oposição. Estou preocupado com o interesse público.
ZH– O senhor rompeu a tradição de arquivar pedidos de impeachment na Casa como dizem integrantes da base aliada?
Pavan– O que é inédito não é romper a tradição. Inédito é o esquema de corrupção descoberto no Rio Grande do Sul. Inédito é o conteúdo que sustenta a denúncia do processo de cassação. Jamais ocorreu no Estado a denúncia de um esquema como esse para desviar dinheiro público, que envolvesse tantas pessoas. Tive a responsabilidade de analisar a relação da governadora com esse esquema de corrupção. Isso não existiu antes. Por isso, a decisão foi essa. A análise do mérito será feita pelo plenário.
ZH – O senhor chegou a pensar em não dar seguimento ao pedido?
Pavan– O tempo todo eu estava fazendo uma análise para saber se pediria arquivamento ou se pediria o prosseguimento. A conclusão foi de dar prosseguimento, que é aquilo que a lei determina diante da situação encontrada no processo.
ZH– O senhor foi pressionado pelos deputados do seu partido a tomar essa decisão?
Pavan– Não. Mesmo que eles pressionassem, não adiantaria. Quando foi na composição da CPI, a bancada foi até a Justiça para disputar uma interpretação do regimento (para buscar a ampliação no número de vagas da oposição) e eu mantive a minha posição confirmada na Justiça (o que garantiu a manutenção da maioria governista na comissão). A decisão da presidência é autônoma. Tenho a responsabilidade sobre essa decisão.
ZH – Se o senhor não tivesse tomado essa decisão, haveria clima para continuar no PT?
Pavan– Seguramente teria. Se não tivesse fundamentação suficiente para dar prosseguimento, eu teria deliberado pelo arquivamento e continuaria sendo petista até o fim, até quando quisesse ser.
ZH– Em que momento o senhor formou a convicção de que era preciso dar seguimento ao impeachment?
Pavan– Ao verificar uma relação de 26 situações diferentes que aparecem nas sindicâncias internas do governo, na Operação Rodin, na CPI do Detran, na denúncia do Ministério Público Federal e no depoimento do Sérgio Buchmann, ex-presidente do Detran. Olhando tudo, me convenci de que não havia outra alternativa.
A nota do Piratini
“O governo do Estado manifesta profunda surpresa pela decisão do presidente da Assembleia Legislativa ao acolher expediente contra a governadora:
A decisão foi tomada com base em documentos fornecidos pela Justiça Federal de Santa Maria, que, examinados pela juíza da 3ª Vara, os considerou insuficientes, a tal ponto que, preliminarmente, rejeitou os pedidos de afastamento da governadora e a indisponibilidade de seus bens;
A decisão do presidente da Assembleia é ato de cunho absolutamente pessoal e de caráter formal, não tendo qualquer significado de juízo ou mérito do pedido, pois totalmente contrário à apreciação preliminar da juíza de Santa Maria;
Da mesma forma que o governo do Estado tem firme confiança na ação da Justiça, confia na posição do parlamento, efetivo representante da vontade dos gaúchos e depositário do respeito aos mandatos legalmente conquistados;
A decisão do presidente da Assembleia causa enormes prejuízos à imagem do Estado, tanto no país quanto no Exterior, a exemplo de episódios semelhantes, depois rejeitados pelo parlamento, mas que deixaram profundas marcas na vida social, política e econômica do Rio Grande do Sul;
Por fim, o governo reafirma seu inarredável propósito de administrar em favor principalmente dos mais necessitados, através de uma política de equilíbrio das contas públicas, aumento de investimentos e ampliação dos serviços e ações sociais. Essa orientação está claramente comprovada na elaboração da proposta orçamentária para 2010, que ocupa a atenção de todos os setores do governo e que será encaminhada até o dia 15 à Assembleia.”
ROSANE DE OLIVEIRA
Retaliação na Mesa
Aliados do governo se mostram arrependidos por ter concordado com a participação do PT no comando da Mesa da Assembleia e ameaçam excluir os petistas de acordos futuros.
Embora seja a maior bancada no Legislativo gaúcho desde 1998, somente na atual legislatura o PT conseguiu ser incluído no acordo e garantir um ano na presidência.
Um aliado na presidência teria mandado arquivar o pedido de impeachment da governadora, como fez Alceu Moreira (PMDB) no ano passado, com o pedido do PSOL.