Canoas foi mais uma cidade a receber audiência sobre o tema.
Canoas foi mais uma cidade a receber audiência sobre o tema.

| Matriz Africana

A cidade de Canoas recebeu, nesta quarta-feira (8), uma audiência pública sobre intolerância religiosa, que integra uma série de ações realizadas em todo o estado para oportunizar o debate sobre o tema, promovidas pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL). O evento foi organizado pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, em parceria com o mandato do vereador Gabriel Constantino (PT).

A deputada destacou a gravidade do racismo religioso e reforçou a importância da mobilização institucional para proteger mães, pais e filhos de santo. Relatou que tem ouvido, em diversos municípios, depoimentos sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade do Axé para registrar denúncias e garantir que elas tenham o devido encaminhamento pelas autoridades.

“Enfrentar o racismo religioso não é uma tarefa de curto prazo. Cada protocolo que divulgamos, cada terreiro que conhece seus direitos e cada denúncia que chega até nós representa um passo concreto nessa luta. Não vamos aceitar que o povo de Axé siga silenciado. Nosso compromisso é garantir que as casas sejam respeitadas, que a fé seja protegida e que as instituições assumam, de fato, o seu dever,” ressaltou Luciana Genro, salientando a importância dos religiosos denunciarem qualquer violação de direitos.

O vereador Gabriel Constantino reafirmou a importância de espaços de escuta da população e elogiou a iniciativa da deputada em realizar a audiência pública em Canoas. Ele enfatizou que, apesar do movimento nos terreiros ser apartidário, é profundamente político: “esse movimento fortalece valores humanos essenciais e defende os direitos, a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, combatendo qualquer tipo de preconceito. Cada ação dentro dos terreiros mostra resistência, fé e a importância de garantir respeito e visibilidade à nossa cultura e às nossas tradições”, frisou.

A defensora pública Gizane Mendina, do Núcleo Especializado em Igualdade Étnico-Racial, destacou a importância de espaços institucionais para ouvir o povo de terreiro e garantir o encaminhamento de suas demandas. Ela apresentou uma recomendação oficial expedida pela Defensoria Pública do Estado, em conjunto com a Defensoria da União, que orienta autoridades a evitar o uso indevido da justificativa de “perturbação do sossego” contra terreiros, reforçando a dimensão sagrada dos atabaques, a proteção constitucional dos cultos e instrumentos religiosos.

Representando a ASIDRAB, Pai Tiago de Bará fez um apelo contundente sobre a responsabilidade do Estado diante das violações sofridas pelo povo de matriz africana. “O racismo religioso está enraizado no nosso cotidiano e ligado à luta por terra e território. A omissão do poder público faz com que casos de agressão fiquem impunes. Precisamos de medidas concretas que garantam liberdade religiosa, proteção aos espaços sagrados e à nossa identidade cultural”, cobrou. Já Cebola de Oxalá, presidente do PSOL Canoas, destacou a importância da união e da mobilização contra o racismo religioso, lembrando que os casos de intolerância refletem um problema estrutural em todo o estado.

As representantes do poder executivo de Canoas, Paula Farias, diretora da Secretaria de Cultura e Turismo, e Nalígia Alves, da Secretaria de Cultura, reforçaram a importância do apoio do município à comunidade de matriz africana e às iniciativas culturais. Paula destacou sua ligação pessoal com a religião de matriz africana e seu compromisso em buscar recursos para projetos como o Parque dos Orixás, considerado estratégico para o turismo e a valorização cultural.

Contra o racismo religioso e em defesa do povo de Axé

Mãe Sônia de Iemanjá fez um relato emocionante ao contar o caso de agressão que ela e o marido sofreram na última semana, que envolveu pedras sendo jogadas no terreiro e chegaram ao ponto da agressão física. “Eu quero ajuda para ter os meus direitos, porque eu não vou calar o meu tambor”, desabafou.

Ifá Kemy Carla, por sua vez, pontuou que as mulheres negras não têm sido consideradas na construção de políticas públicas, em especial no que diz respeito aos territórios, já que muitas famílias de santo seguem sem ter conseguir seus terreiros após a tragédia do ano passado. A questão da reconstrução após as enchentes também foi mencionada pelo Pai Gabriel e pelo Pai Juarez de Ogum, que lembrou da solidariedade do povo de terreiro durante as enchentes e lamentou que em pleno 2025, casos de violência por intolerância ainda são parte da rotina.

Ainda abordando a questão do racismo religioso, Ritinha de Oxum denunciou que diversos municípios do país, incluindo Canoas, não contemplam a lei nacional de 2003 que implica no ensino afro-brasileiro nas instituições de ensino, implicando diretamente nos índices de racismo. Já a Yalorixá Gogô de Xangô Agodô pontuou outros preconceitos que atravessam o povo de terreiro, como machismo e LGBTfobia, além da falta de preparo das instituições ao dialogar com a comunidade de axé.