A criação do Comitê e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Rio Grande do Sul deverá ser conduzida pela Assembleia Legislativa, conforme encaminhamento definido em audiência pública sobre o tema, proposta pela deputada Luciana Genro na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. O encontro reuniu representantes do Ministério Público Federal, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, governo estadual e entidades de direitos humanos, que apontaram a urgência de o estado avançar na estruturação de políticas permanentes de prevenção à tortura.
Luciana Genro, integrante da Mesa Diretora da Assembleia, pontuou que o mecanismo pode ser vinculado ao Legislativo, modelo já adotado em estados como o Rio de Janeiro. “Temos um orçamento robusto, muitas vezes não utilizado integralmente. A Assembleia tem condições de liderar essa iniciativa, e o projeto de lei que será apresentado pelo meu mandato pode ser nesse sentido”, afirmou.
Durante a audiência, os participantes ressaltaram que o Rio Grande do Sul está entre os estados mais atrasados na implementação de mecanismos de combate à tortura. O procurador regional Enrico Rodrigues de Freitas, do Ministério Público Federal, destacou que a lei federal prevê a criação de estruturas em cada unidade da federação, com apoio do Ministério dos Direitos Humanos. Ele lembrou que o estado já teve avanços pontuais, como a adoção do Protocolo de Istambul, utilizado para a verificação de denúncias de tortura, mas que é preciso consolidar uma política contínua e estruturada.
O fato de não ter havido justiça de transição no Brasil após a ditadura e, portanto, os torturadores nunca terem sido responsabilizados, promove uma “cultura associada à prática de tortura” em certas instituições, apontou Luciana Genro. “Essa tortura é cometida tanto dentro dos presídios, quanto pela polícia e até mesmo nos treinamentos dos policiais e da Brigada Militar, inclusive com um caso de morte por afogamento em um treinamento em 2022”, afirmou a deputada.
A subsecretária da Justiça e Integridade Institucional, Cristiane Viana Zwierzinski, representando a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, informou que o secretário Fabrício Guazzelli Peruchin, solicitou uma reunião com o presidente da Assembleia, Pepe Vargas, para tratar justamente da possibilidade de o mecanismo ser vinculado ao Parlamento, com orçamento próprio da Casa.
A defensora pública Mariana Py Muniz reforçou que o tema é urgente diante da quantidade de denúncias de tortura no sistema prisional. “Só pelo Disque 100 temos mais de 50 denúncias por mês. Urge que a gente fortaleça e constitua esse comitê e o mecanismo no nosso estado”, defendeu. O defensor público federal Gabriel Travassos acrescentou que a prática da tortura também se manifesta em ambientes privados e com segurança terceirizada, a exemplo do assassinato de João Alberto no Carrefour em 2020.
Já a juíza-corregedora Carla Hass, do Tribunal de Justiça, apontou que há uma “necessidade inadiável desse sistema de prevenção e combate à tortura” e que abranja também o sistema socioeducativo. A representante do Comitê Estadual de Combate à Tortura, Cristina Villanova, lembrou que o colegiado existe há mais de duas décadas, ainda que de forma precária. “Precisamos de um instrumento legal e permanente, e não podemos chegar a 2026 repetindo os mesmos debates”, afirmou.
A diretora do Instituto Caminho, Eduarda Garcia, resumiu o sentimento de urgência dos participantes: “Para nós, essa é literalmente uma questão de vida ou morte”. O defensor Gabriel Travessos ainda destacou ser essencial que o mecanismo seja criado por lei, com previsão de orçamento e estrutura adequada para o trabalho dos peritos. Foi encaminhado, ao final da audiência, que a deputada Luciana Genro irá encaminhar o projeto de lei e dialogar com a Mesa Diretora da Assembleia sobre o tema.