Não é só o Mercado Público de Porto Alegre que conta com histórias e registros orais de religiosos de matriz africana sobre um assentamento para o orixá Bará. Pesquisas sobre o tema e um documentário publicado pelo governo do estado nos 100 anos do Piratini reforçam a existência de outros espaços sagrados que representam a história e a cultura do povo de terreiro, além do Bará do Mercado, já amplamente conhecido. Assentar significa que o orixá foi fixado em um objeto através de práticas rituais, se tornando um ponto de representação de força.
Buscando garantir a preservação dessa memória, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) propôs um projeto de lei que torna patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul os assentamentos do Bará ligados ao príncipe Custódio de Xapanã na capital. Ele trouxe os cultos da África, e, como um grande líder religioso, decidiu fazer os assentamentos em Porto Alegre.
“O Bará do Mercado já é tombado e se tem o conhecimento de pelo menos outros dois assentamentos, além do localizado no Palácio do Piratini. Somos parceiros nas demandas e lutas do povo de terreiro e esse projeto é uma forma de dar o devido reconhecimento e destaque para uma parte da história e da cultura do nosso estado,” declarou a deputada. Uma vez protocolado, o PL, que foi construído juntamente a pessoas de religião que compõe o mandato, segue para a Comissão de Constituição e Justiça para ser distribuído.
O mandato da parlamentar também é responsável pela publicação da Cartilha do Povo de Terreiro, uma importante ferramenta na luta contra a intolerância religiosa que já teve mais de 130 mil exemplares distribuídos pelo estado. O material fala sobre as divindades, políticas e também expressões utilizadas pelas religiosidades de matriz africana.
O Príncipe Custódio foi uma das mais importantes e controversas personalidades dentro da formação e estruturação dessa religião denominada Batuque gaúcho. Além do Mercado e do Piratini, haveria mais dois com local já conhecido: na Igreja das Dores e no antigo Patíbulo da Rua dos Andradas.
Quem foi o príncipe
Reza a lenda que o Príncipe Custódio Joaquim de Almeida, ou Osuanlele Okizi Erupê, nasceu na Nigéria, em 1831. Ele seria filho de um rei destronado pelos ingleses no final do século XIX. Teria vindo, então, como príncipe para o Brasil, sendo muito reconhecido como o consolidador das religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Inicialmente, fixou-se em Rio Grande e Bagé, vindo para Porto Alegre com 70 anos de idade.
O “Príncipe Negro” ou Príncipe Custódio de Xapanã é uma das mais importantes figuras na história do Batuque do Rio Grande do Sul, praticada sobretudo neste estado e em Santa Catarina (além de outros estados em menor proporção) e também em países como Argentina e Uruguai, para onde esse culto migrou.
Na capital gaúcha frequentava a elite e segundo consta, manteve relações com importantes políticos como Júlio de Castilhos, Carlos Barbosa e Borges de Medeiros. Algumas das histórias dão conta de que Júlio de Castilhos foi o responsável por sua vinda a Porto Alegre. Essa proximidade explicaria o assentamento do Bará no Palácio Piratini.
Os relatos ainda apontam que o legado de Custódio para a religião afro-gaúcha vai além de Porto Alegre. A corte com 48 pessoas que acompanhava o príncipe era chamada de conselho de chefes e acabou por se dissolver depois da morte de seu líder. Muitos desses chefes se espalharam pelo interior, levando consigo às cidades de várias regiões gaúchas a cultura dos orixás. Hoje, o culto aos assentamentos do Bará na Capital são parte importante das celebrações religiosas de matriz africana.
Confira o projeto de lei na íntegra: