A situação da Casa de Referência Mulheres Mirabal foi tema de audiência pública realizada na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, a pedido da deputada Luciana Genro (PSOL). A casa funciona há seis anos sem apoio do poder público, acolhendo mulheres vítimas de violência e seus filhos, que podem ficar no local por tempo indeterminado e são atendidas por uma equipe composta por psicólogas, assistentes sociais e advogadas.
Inicialmente, a Mirabal ocupou uma casa no Centro Histórico de Porto Alegre, que estava abandonada. Com o processo de reintegração de posse do local, foi formado um grupo de trabalho que encaminhou a mudança do serviço para uma antiga escola estadual desativada, que funcionava em um terreno da prefeitura. Foi acordado que o governo do estado cederia o prédio para o poder municipal, que por sua vez negociaria com a Mirabal a utilização do espaço. Ocorre, porém, que assim que o prédio voltou a ficar em posse da prefeitura, o município passou a pedir o despejo da Mirabal e disse que utilizaria o local para fazer uma escola de educação infantil.
“A Casa Mirabal faz um serviço que deveria ser feito pelo poder público, que é o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Há seis anos a Mirabal existe e vem buscando sua regularização. Hoje está instalada numa escola que havia sido cedida pelo estado para a prefeitura justamente para que lá pudesse ser instalado esse serviço para mulheres vítimas de violência. Mas a prefeitura não está cumprindo este acordo”, apontou Luciana Genro. A deputada destacou que a escola e a Mirabal poderiam coexistir no local, que é bastante grande.
Uma das fundadoras da Casa Mirabal, Priscila Voigt destacou a falta de políticas públicas para mulheres por parte dos governos e a importância do trabalho realizado no local. “Falta proteção de fato para as mulheres. Muitas chegam na nossa casa sem ter feito boletim de ocorrência ainda, e são revitimizadas muitas vezes quando procuram o serviço público. A Delegacia da Mulher inclusive nos encaminha mulheres”, relatou.
A advogada Natália Salau Jobim explica que houve uma decisão em caráter liminar que determinou a reintegração de posse da casa, mas posteriormente a sentença judicial foi contrária ao despejo. A prefeitura, então, recorreu na instância seguinte, onde a ação tramita atualmente e, por não haver unanimidade entre os desembargadores, o julgamento foi suspenso e mais desembargadores irão analisar o caso.
“Infelizmente a gente vem sendo bastante atacadas. O município disse que iria abrir uma nova casa de acolhimento de mulheres, mas não sabemos detalhes. Não temos desacordo em que tenham mais casas de acolhimento, pelo contrário. Mas observamos que a partir do momento em que precisaram divergir no Tribunal sobre nosso trabalho, aí vem essa nova casa”, observou. O voto contrário à permanência da Casa dado por um dos desembargadores foi com base em um relatório antigo do Ministério Público, e as representantes da Mirabal argumentam que o documento do MP está defasado.
O Procurador-Geral do Município, Nelson Marisco, representou a prefeitura e argumentou não existir um acordo entre o município, a Mirabal e o estado. “Não existe documento firmado à época compactuando com a possibilidade de posse do imóvel pra casa Mirabal. Existiram reuniões em que se discutiu o que fazer, mas não se chegou a nenhum consenso”, argumentou. Ele, no entanto, afirmou que o poder público reconhece a importância da prestação do serviço, a necessidade de regularizá-lo e apontou que talvez a solução passe por não seguir usando este prédio onde hoje a casa está localizada.
“Não necessariamente queremos esse imóvel específico. O importante é termos um espaço em segurança, tem que ter alguns critérios pra esse imóvel e tem algumas questões de estrutura. Se existe a possibilidade de outros imóveis, que bom”, respondeu Priscila. Ela questiona, porém, se não houvesse o debate da Mirabal, se o estado teria devolvido o imóvel ao município.
Coletivos e organizações feministas apoiam a Mirabal
Representantes de coletivos e organizações feministas também mencionaram a importância da Mirabal ao longo da audiência. “Elas ocuparam a casa porque era necessário que essas mulheres fossem ouvidas e atendidas. Vamos sim precisar desses espaços de acolhimento por bastante tempo, infelizmente, devido ao machismo estrutural”, apontou Fran Rodrigues, vereadora suplente pelo PSOL e representante do coletivo Juntas.
“Na delegacia, nunca é menos de 5h que as vítimas de violência ficam esperando, é todo um caminho até conseguir abrigamento. Na Mirabal, elas chegam sem necessariamente ter B.O., e isso é feito no tempo delas”, destacou Carla Zanella, da Emancipa Mulher. Fátima Soares, do Condim e do Coletivo Feminino Plural, acompanha a luta da Mirabal desde o início e mencionou a importância de ser um local onde as mulheres podem permanecer por tempo indeterminado.
A situação das políticas públicas no Rio Grande do Sul, com o desmantelamento da Rede Lilás, foi mencionada por Ariane Leitão, que representa a Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios no RS. “A Mirabal veio nesse processo e já é de conhecimento público e notório o trabalho delas. Não é de hoje a falta de compromisso do município em relação à rede de atendimento. Não tem vaga em Porto Alegre e se por parte do governo do estado tem algum espaço é porque a deputada Luciana encaminhou emendas parlamentares”, ressaltou.
A vereadora Daiana Santos também vem acompanhando a questão por meio da Câmara Municipal e destacou que “a prefeitura é omissa, o Estado é ausente. Temos um problema crônico e uma falta de vontade institucionalizada de fazer uma avaliação da rede, que no momento é inexistente”. Ela se comprometeu a também encaminhar ofício à prefeitura a respeito do assunto. Roberta Oliveira, do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da UFRGS, e Rosilene Perguer, do Coletivo de Mulheres do Sindjus, também abordaram a importância da Mirabal.
Encaminhamentos
Priscila Voigt sugeriu que a comissão solicite da prefeitura dados oficiais sobre violência contra mulheres, além de que questione o estado se pediria a indenização referente ao imóvel que foi cedido à prefeitura caso ocorra a reintegração. “Vamos questionar o governo se o estado não está considerando que há uma irregularidade nessa cedência. Porque o acordo foi que não haveria o pagamento da indenização, mas isso envolveria o uso da casa por parte da Mirabal”, disse Luciana Genro. Também ficou encaminhado que se solicite ao Ministério Público um novo relatório sobre a situação. As participantes consideraram positiva a sinalização do município de que a Mirabal poderia seguir existindo em outro imóvel.