Na manhã desta quinta-feira (12/05) uma audiência pública proposta pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) e pela deputada Sofia Cavedon reuniu parlamentares, representantes de servidores e médicos com o presidente do IPE Saúde, Bruno Jatene, para debater a crise no instituto e as incertezas quanto ao futuro do plano de saúde.
O momento foi de desabafo e cobrança por parte dos servidores, que contam com um serviço sucateado mesmo contribuindo mensalmente com valores elevados ao convênio. Luciana Genro destacou que o que se percebe, após os relatos das entidades, é que o serviço é caro proporcionalmente ao poder aquisitivo dos servidores, não atendendo suas necessidades por diversas razões.
“As soluções para a crise do IPE não podem passar pela penalização do usuário, assim como a reestruturação da despesa não pode passar pela restrição aos serviços e o fortalecimento da receita não pode passar por aumento de alíquota e maior cobrança dos servidores e dependentes. O problema tem a ver com salário dos servidores, com a necessidade de termos mais servidores concursados no nosso estado, pois os terceirizados têm diversos problemas de atraso de pagamentos, além de não contribuírem para o IPE, o que também diminui a arrecadação,” explicou a deputada.
Luciana Genro indicou, como proposição, que uma carta de reivindicações seja construída coletivamente pelos representantes, para ser entregue ao governo estadual e também aos candidatos ao Piratini. A intenção é que os usuários sejam ouvidos e tenham suas reinvindicações contempladas pelas candidaturas, além de obter um claro posicionamento dos postulantes ao cargo de governador quanto aos problemas enfrentados pelo IPE Saúde.
Apesar de o IPE Saúde ter sido criado apenas em 2018, Bruno Jatene já é o 6º diretor-presidente da autarquia, que antes encontrava-se integrada ao IPE Previdência. Ele expôs o cenário de prestação de serviço da entidade, passando por dados gerais, aspectos econômicos e financeiros, ações estratégicas e um relatório final. Explicou que os valores do passivo do IPE Saúde que ultrapassam o prazo de 60 dias para pagamento estão em torno de R$ 610 milhões. A dívida total, considerando os repasses que ainda estão dentro do prazo, chega a R$ 1 bilhão.
Jatene apresentou um comparativo da quantidade de atendimentos de cada um dos serviços e o que representa em torno de valores, sendo que serviços complementares (como exames) são os mais são utilizados e que menos representam gastos, enquanto internações hospitalares são os menores números, mas os maiores gastos. Ainda apontou que o número e idade dos dependentes faz a diferença nos gastos da instituição.
Usuários e entidades cobram presidente
São inúmeras as queixas recebidas pelo mandato da deputada Luciana Genro que envolvem a falta de prestação de serviço do IPE Saúde, que passa desde a falta de estrutura e dificuldade de comunicação, até médicos e hospitais cancelando o credenciamento com o plano. A realidade registrada pelas entidades representativas não é muito diferente.
Maria Cristina Rodrigues, aposentada, relatou que quando precisou realizar alguns exames, cada clínica tinha um preço diferente para o mesmo procedimento, sem uma tabela para conferir os valores, e questionou os serviços que não são cobertos pelo plano. “Eu mesma consultei pelo SUS, pois se precisar operar pelo IPE não tenho dinheiro para pagar o anestesista. No fim a gente paga, desconta todo mês e não usa porque o serviço é insuficiente,” contou.
Representando o Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados, Kátia Terraciano disse que a apresentação do presidente do IPE Saúde basicamente colocou a culpa do déficit nos servidores. “O sistema IPE Saúde não funciona por faixa etária, é proporcional ao salário dos servidores. Quando se fala em taxar os mais idosos, se esquece que é um sistema baseado na solidariedade. Quem ganha mais evidentemente contribui mais e subsidia aqueles com maior demanda. Sem contar que o estado deve ao IPE Saúde uma soma que passa de R$ 1bilhão,” destacou.
Erico Corrêa, presidente do SINDICAIXA, recordou os muitos anos de luta pela manutenção do IPE e afirmou que essa política de sucateamento é resultado de sucessivos governos e que os últimos anos, de governo Leite, foram de destruição do funcionalismo, o que atingiu diretamente os usuários do plano.
O presidente e o diretor do Sindicato dos Servidores da Justiça do RS, Fabiano Zalazar e Osvaldir Rodrigues da Silva, destacaram o estranhamento ao perceber que o relatório apresentado por Bruno Jatene tenha sido produzido por um deputado que é militante da privatização das estruturas públicas do estado.
Representando uma grande porcentagem – se não a maioria- dos beneficiários do IPE Saúde, o vice-presidente e a diretora do CPERS Sindicato, Edson Rodrigues Garcia e Vera Maria Lessês, lembraram que a defasagem salarial dos servidores está diretamente ligada a crise do instituto.
“São sete anos sem reposição real salarial. É inadmissível pensar que quem sustenta o IPE é, em maioria, os trabalhadores com menor salários do estado. A crise é culpa da má gestão dos últimos anos. Estamos na luta por um IPE público e solidário,” afirmaram.
Márcia Elisa Trindade, Secretária-geral da FESSERGS, chamou a atenção para a necessidade de se publicizar quem e quais especialidades estão se descredenciando, pois para implementar soluções é preciso ter um diagnóstico.
A presidenta do SINDSEPE/RS, Diva Flores da Costa, afirmou que o desmonte do IPE Saúde e sua crise financeira fazem parte da uma política de reajuste fiscal aplicada por outros governos e reforçada pelo governo Leite. “Isso faz parte de um pacote de desvalorização do funcionalismo. A responsabilidade pela crise financeira não é dos servidores que prestam serviço à comunidade diariamente, mas dos governos e gestores”, declarou.
Ives Lucas, em nome da Fasp e da União Gaúcha no Conselho de Administração do IPE Saúde, disse ser urgente buscar alternativas que contemplem os usuários. Afirmou, ainda, que hoje a autarquia conta com um servidor para cada 6 mil usuários, o que está longe de ser suficiente, destacando a necessidade de chamar os aprovados no último concurso, bem como ampliar o quadro de capital humano.
Já a Federação Sindicatos Servidores Municipais Estado do RS, representada por João Bortolussi e Rosseto, salientou que os municipários contam com 329 contratos com Prefeituras e Câmaras com o IPE Saúde, ou seja, cerca de 200 mil usuários, mas não contam com uma cadeira no Conselho. “Essa proposta de sucateamento é velha conhecida do sindicalismo. Sabemos que mostrando a falência do sistema, surge o interesse da iniciativa privada, mas defenderemos o IPE até o final,” se comprometeram.
O que dizem os prestadores de serviço
O tema vem sendo debatido na Assembleia Legislativa com maior intensidade nos últimos meses, desde que houve a notícia de descredenciamento de vários hospitais pelo problema do pagamento. Atualmente são cerca de 7 mil médicos vinculados ao IPE Saúde.
Ricardo Englert, Diretor da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do RS e presidente do SINDIBERS, compartilhou a preocupação não somente com os atrasos, mas com o impacto que causaria a extinção do instituto. “É preciso pensar um conjunto de medidas que traga a sustentabilidade para dentro do instituto. Maior participação do tesouro do estado, na gestão do instituto, dificuldade de quadro humano. Como controlar todos os problemas e manter o instituto. É possível, com discernimento, cuidado e pensando que mais de um milhão de pessoas estão envolvidas,” afirmou.
Em nome do SIMERS, o vice-presidente do sindicato, Marcelo Matias, salientou que não existe saúde sem médicos e que as condições dadas aos profissionais são muito difíceis, além de que a ausência de reajuste de servidores e de concursos comprometem a longo prazo a sustentabilidade do instituto. Por fim, destacou que a defasagem das tabelas e a demora no repasse de valores influencia diretamente na falta de interesse dos médicos em prestar serviço e, consequentemente, ao atendimento oferecido aos servidores.
Proposta alternativa de gestão
A Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul (Cassems) foi criada após a reforma administrativa do Estado em 2000, a partir da extinção do órgão que oferecia assistência à saúde aos servidores públicos estaduais (Previsul). Depois de um período de intensa discussão, os servidores públicos estaduais reuniram-se para criar o que chamam de um novo modelo de assistência à saúde no Estado.
Ricardo Ayache explicou que esses servidores, unidos, criaram uma associação civil sem fins lucrativos como proposta alternativa de gestão, enfrentando desafios inerentes ao sistema de saúde brasileiro. Atualmente o modelo atende cerca de 215 mil pessoas.
“Mas o fato de ser uma empresa privada gerenciada por servidores públicos nos deu agilidade de adaptação ao cenário e mercado de saúde suplementar. Ao logo dos anos ampliamos a rede de atendimento credenciada, resgatando a credibilidade do plano de saúde dos servidores,” finalizou.