Na quarta-feira (01/09) a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa realizou uma audiência pública para tratar sobre o tema da alienação parental. O assunto já é objeto de lei específica desde 2010, mas voltou ao debate após o projeto de lei 498/2018, que tramita no Senado, propor a sua revogação.
A audiência pública contou com a presença de juízas e juízes, advogadas, militantes do movimento feminista e mães que passaram por situações de violência doméstica e de alienação parental, com diversos relatos próprios ou de terceiros.
A deputada Luciana Genro (PSOL) esteve presente na audiência pública. “Esse movimento que se vem fazendo já tem resultados importantes. A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados já tem uma posição favorável à revogação da Lei da alienação parental. A deputada federal Fernanda Melchionna também comentou que há muita resistência no Congresso por parte dos homens. Isso também pode ser resultado de muita desinformação sobre o tema e também de uma visão patriarcal, que é hegemônica dentro do Congresso Nacional. Por isso debates como esse aqui podem ajudar muito a levar informações e mudar concepções nesses espaços. Quero deixar o meu apoio e a alegria de ver que o movimento está ganhando força, parabenizando a todas vocês que estão travando essa batalha”, disse Luciana Genro.
Ruabia Abs da Cruz, advogada mestre em direitos humanos e integrante do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), retratou o grave erro do Judiciário ao tratar sobre o tema, sem o devido acompanhamento de atendimento psicológico e da assistência social durante e também após o encerramento do processo. “O juiz não pode achar que quando um agressor pede perdão está tudo resolvido. A alienação parental é algo extremamente violento. É um tema complexo e deveria sair da responsabilidade do Judiciário, que comete diversos erros de acompanhamento nesses casos”, relata a advogada.
A atual configuração da lei de alienação parental acaba possibilitando que injustiças graves sejam perpetuadas. Uma delas aconteceu com Laila, mãe e vítima da deturpação da lei de alienação parental. Ela relatou casos graves de violência doméstica por parte do ex-marido e também violência contra seu filho Lucas, na época com 6 anos de idade.
“Na minha opinião, ser um mau marido não significava ser um mau pai. No meu processo de divórcio, entramos no acordo dele pegar o Lucas (filho) aos sábados e domingos, a cada 15 dias. O Lucas começou a chegar com as partes íntimas machucadas. Perguntava o que tinha acontecido e ele só falava ‘nada, não aconteceu nada’. Aos poucos foi mudando de comportamento, fui chamada na escola e a equipe da direção encaminhou ele para tratamento psicológico, por comportamento libidinoso. A psicóloga informou que meu filho estava sendo abusado, com graves problemas psicológicos. Comecei a investigar e fiz exames no Lucas que comprovam que ele estava sendo abusado. Tem mais de 7 testemunhas que viram o Lucas chegar da casa do pai com o bumbum em carne viva, muito machucado. Coloquei todas essas informações no processo e hoje eu sou considerada alienadora. A psicóloga que corroborou que o Lucas estava sendo abusado foi afastada e o pai foi escolhido para definir uma nova psicóloga. Eu fui multada com R$ 5 mil reais por semana para levar meu filho na psicóloga que o pai escolheu”, relatou Laia para a Comissão, em um pedido de ajuda.
Ana Carolina Machado Jorge, delegada de polícia de Sergipe, comentou sobre a importância de respeitar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no tratamento sobre casos de alienação parental. “A criança é sujeito de direito, é protagonista do seu direito e está garantida a sua liberdade de expressão. O que acontece hoje é que a fala da mulher e da criança é distorcida, não é levada a sério. Isso é patriarcado e machismo enraizado. Se a mãe tem a guarda da criança, por que estaria indo até a delegacia denunciar, já que na lógica da alienação parental, o seu marido é ‘bom’ e que ela está fazendo por ‘vingança’? Se ela denuncia, ela é tida como alienadora, se ela não denuncia, ela pode responder por crime do processo penal de negligência”, comentou a delegada e pesquisadora.
Por fim, a audiência encaminhou a organização de um seminário internacional sobre alienação parental, para que esse debate também aconteça em outros espaços e seja combatida a desinformação sobre esse tema.