Há um ano, desde que se iniciaram as primeiras medidas de isolamento impostas pela pandemia do coronavírus, a Casa Emancipa Restinga vem promovendo ações sociais no bairro do Extremo-Sul de Porto Alegre, um dos mais empobrecidos da cidade. A casa, inaugurada em 2017, é vinculada ao Emancipa, uma ONG de educação popular fundada pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) em 2011 e presidida por ela. Na Restinga, além de oferecer um cursinho pré-universitário gratuito, o Emancipa desenvolve outras ações de cultura e esporte, como aulas de capoeira, muay thai e um curso de percussão de tambores, ligado a religiões de matriz africana.
No entanto, com a necessidade do isolamento social, essas atividades costumeiras precisaram ser interrompidas, conforme conta a coordenadora da Casa Emancipa Restinga, Cristiane Machado. “Também realizávamos atividades de conversas com pessoas LGBTs, pessoas negras, mulheres. Mas quando veio a pandemia, a gente teve que parar”, relata. A iniciativa de realizar ações sociais nesse período partiu de um grupo de professores da Escola Municipal Vereador Carlos Pessoa de Brum, que fica próxima do Emancipa e que atende várias famílias que também frequentam o cursinho.
“Os professores me procuraram para que a gente pudesse fazer alguma ação coletiva juntos. A gente topou e começamos uma campanha de pedido de ajuda, e aí apareceu de todo tipo de doação. E aí começamos, a prioridade foi as famílias da escola, e depois estendemos para a comunidade em geral, e iniciamos as quentinhas também”, explica Cris.
Inicialmente, a distribuição de quentinhas atendeu a população em situação de rua e dependentes químicos, mas com o passar do tempo, começaram a chegar nas filas para receber os alimentos também famílias e trabalhadores dos arredores. “A gente fica perto do centro da Restinga e ali começaram a se instalar várias pessoas vendendo todo tipo de coisa, e eram esses trabalhadores que iam ali se alimentar também”, recorda Cris. As quentinhas foram distribuídas até o dia 19 de dezembro, mas a ação não foi retomada em 2021 devido à piora na pandemia. “Vimos que estavam chegando muitas pessoas doentes e aí a gente decidiu dar uma parada, decidimos não colocar ninguém em risco. Embora durante todo esse período, as pessoas se educaram conforme as regras que a gente colocava, isso foi muito legal”, aponta.
“Seguimos ajudando as pessoas que estão precisando muito, esse número aumentou bastante. Algumas famílias da escola também fazem aula no Emancipa e algumas delas dependiam da reciclagem. Nesse período, foram impedidas de reciclar, até mesmo por as crianças não estarem na escola”, completa ela. Neste momento, o Emancipa e os professores da escola seguem entregando cestas básicas e outras doações que são recebidas pela equipe. Inclusive uma nova campanha de arrecadação, para que a população doe da forma que puder ajudar, está sendo planejada para que o trabalho possa continuar.
Já foram doadas cerca de 20 mil peças de roupa pelo grupo, que também distribuiu máscaras e álcool gel a partir de doações do Instituto Federal Restinga. Durante o Dia das Crianças e o Natal, foram feitas ações específicas para doar brinquedos e vestimentas infantis, e algo nessa linha está sendo planejado também para a Páscoa.
Eram cerca de 10 pessoas que “pegavam junto” no projeto no ano passado, mas agora, com a bandeira preta, Cris explica que o grupo ficou reduzido a três. Ela destaca os nomes de alguns dos que estiveram na linha de frente para que as ações fossem realizadas: a professora Cláudia Gaia, da escola municipal; Jorgina Machado; Jurema Alves; Benhur Pedroso; Maurício Barreto e Marion Santos, que é também professora do Emancipa.
O Emancipa Restinga
Cris mora na Restinga a vida toda, há 35 anos, e entrou em contato com o Emancipa em 2011, como aluna. Na época, iniciou os estudos na unidade do Centro de Porto Alegre, mas não conseguiu dar continuidade por não ter o dinheiro para pagar a passagem. Dois anos depois, conheceu o PSOL durante a luta dos rodoviários, profissão exercida por seu companheiro, que foi uma das lideranças da greve ocorrida na época.
Em 2015, Cris encabeçou a luta contra a venda da quadra da escola de samba Estado Maior da Restinga, contra a especulação imobiliária. “Isso durou praticamente um ano, e eu comecei a me destacar como uma liderança. Nós ganhamos essa luta e as pessoas começaram a ver em mim uma referência, eu comecei a fazer de tudo um pouco, como por exemplo ajudar pessoas transexuais com retificação de nome. Comecei a ser procurada e aí comecei a me integrar, e aí o Roberto Robaina [vereador pelo PSOL] incentivou eu e a Luciana [Genro, deputada estadual do PSOL] a abrirmos o Emancipa Restinga em 2017”, resume.
Luciana Genro fundou em 2011 o Emancipa, uma ONG de educação popular que oferece cursinho pré-universitário gratuito em Porto Alegre, Guaíba, Pelotas, Novo Hamburgo e Bagé, e faz parte de uma rede nacional de educação popular com o mesmo nome em outros estados brasileiros. A deputada também é fundadora da Emancipa Mulher, que fornece cursos gratuitos sobre feminismo e antirracismo. Na capital gaúcha, atualmente funcionam três casas do Emancipa: uma no Centro, uma na Restinga e outra no bairro Santa Rosa de Lima, na Zona Norte.
Desde que foi inaugurado, mais de 500 pessoas já foram atendidas pelo Emancipa Restinga. Durante o período de pandemia, as ações sociais promovidas pelo grupo já atenderam cerca de 5 mil moradores, estima Cris. Enquanto as aulas presenciais não podem voltar por questões de segurança, o Emancipa segue com as iniciativas de solidariedade.
Confira mais fotos das ações do Emancipa Restinga no período da pandemia: