Na semana em que se celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBT, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi palco de três atividades em defesa da diversidade. Na noite de quarta-feira (26/06), a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) promoveu a entrega da medalha da 55ª Legislatura à travesti Marcelly Malta, que aos 68 anos preside a ONG Igualdade RS e é vice-presidente nacional da Rede Trans Brasil.
O evento ocorreu no saguão de entrada da Assembleia, onde também foi inaugurada uma exposição com fotografias de paradas LGBTs de Porto Alegre. Em seguida ocorreu uma audiência pública da Comissão Especial para Análise da Violência Contra a População LGBT, presidida pela parlamentar.
Emocionada, Marcelly Malta ofereceu a homenagem recebida a todas as travestis assassinadas no Brasil. “Essa homenagem não é só para mim. É para todas as travestis mortas. Eu fiz questão de vir aqui vestida de vermelho e preto por causa do luto que nós vivemos”, desabafou.
Luciana Genro destacou que Marcelly representa uma parte fundamental da história viva do movimento LGBT no Rio Grande do Sul e no Brasil. “Em 1999 ela fundou a ONG Igualdade. Se hoje já vemos muitas dificuldades na garantia de dignidade à população trans, imagina naquela época”, comentou.
A deputada também destacou o trabalho de Marcelly na criação da “terceira do H”, uma galeria na Cadeia Pública de Porto Alegre específica para transexuais, seus maridos e homens gays e bissexuais. “Pude visitar esse espaço pela Comissão LGBT e verificar na prática a importância deste trabalho, que até hoje é reconhecido”, concluiu.
Na audiência pública, estiveram presentes movimentos sociais da comunidade LGBT e órgãos públicos que lidam com a temática em esfera estadual e municipal. Organizações como o Nuances, a Igualdade, o Somos, as Mães Pela Diversidade e o grupo esportivo Magia Sport Club compuseram a mesa da audiência. Assim como a Polícia Civil, a Secretaria Municipal de Saúde e as secretarias estaduais de Educação e de Segurança Pública.
LGBTs no sistema prisional e críticas aos governos
Um dos eixos da comissão tem sido a preocupação com a população LGBT em privação de liberdade. Luciana Genro e a equipe do órgão têm visitado diversas casas prisionais para verificar essa situação.
Durante a audiência pública, Guilherme Gomes Ferreira e Caio Klein, da ONG Somos, criticaram a dificuldade de acesso que o grupo tem encontrado para atuar junto aos presídios gaúchos. “Neste governo não estão permitindo a entrada do movimento social na Cadeia Pública de Porto Alegre. Conseguimos entrar somente com a comissão”, explicou Caio.
Guilherme falou a respeito do projeto Passagens, em o Somos realiza um mapeamento da situação de LGBTs no sistema prisional. “A violência que essa população sofre é de toda ordem”, resumiu.
A comissão já visitou a Penitenciária Estadual de Charqueadas, a Cadeia Pública de Porto Alegre e os presídios femininos Madre Pelletier e de Guaíba.
Presidente da ONG Igualdade e uma das fundadoras da galeria LGBT do Presídio Central, Marcelly Malta lamentou o fato de ainda não ter sido recebida para uma reunião com o governador Eduardo Leite, embora tenha solicitado o encontro por três vezes. “Temos um relatório de mortes de travestis da Rede Trans Brasil que eu gostaria de entregar ao governador, mas ele nunca quis me receber”, criticou.
Os integrantes da ONG Somos também denunciaram o descaso do governo com o Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBTs, que já teve sua eleição realizada mas ainda não começou a funcionar neste ano porque o governo estadual não nomeou os integrantes de sua indicação ao órgão.
História da resistência LGBT, grupos de apoio e importância do recorte racial
A primeira Parada Livre de Porto Alegre ocorreu em 1997, organizada pelo grupo Nuances. “Éramos colocados à margem, num processo de desumanização. Na primeira parada , as pessoas ficavam nos olhando. Um grupo de lésbicas chegou a ir com capuz na cabeça”, disse Célio Golin, fundador do Nuances.
Presente na audiência pública, a ONG Mães Pela Diversidade deu um relato comovente a respeito do papel das famílias no apoio a seus filhos LGBTs. “Nós, mães, choramos muito ao ver as situações que acontecem e o que nossos filhos estão sentindo. Queremos dizer que famílias LGBTs existem, sim”, pontuou Gisele Varani, representante do grupo.
Diversos grupos de prática esportiva para LGBTs têm surgido nos últimos tempos. Um dos pioneiros na Capital é o Magia Sport Club, que reúne 230 atletas em diversas modalidades. “Começamos como um grupo de amigos em 2005. Em 2007 fundamos a Ligay”, recordou Renan Evaldt, em referência à liga esportiva amadora que reúne os grupos LGBTs de todo o país e já contou com campeonatos nacionais sendo realizados em Porto Alegre. Renan reforçou que o Magia também realiza um trabalho de acolhimento de seus participantes, auxiliando os atletas em questões de enfrentamento ao preconceito.
Integrante do DCE da UFRGS e coordenador do cursinho popular Emancipa no bairro Restinga, Cilas Machado falou sobre o racismo reproduzido dentro do movimento LGBT. “Eu saí do armário há muito tempo. Mas não milito no movimento LGBT e sim no movimento negro. Não dá para a gente ganhar todas”, disse. Ele acrescentou que essa situação não é incomum entre LGBTs negros e negras, que em muitos casos não se sentem confortáveis para atuar no movimento LGBT em função do racismo reproduzido no meio.
Ações de prevenção e combate à violência
Representantes de órgãos públicos também compareceram à audiência para ouvir as demandas dos movimentos e expor suas ações. Coordenadora da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE), vinculada à Secretaria Estadual de Educação, Patrícia Sanchotene Pacheco falou sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no combate à evasão escolas e ao bullying LGBTfóbico.
“O primeiro lugar em que a população LGBT sofre discriminação é a escola. A exclusão começa por lá. A gente precisa, inclusive, pensar em uma política pública para resgatar na vida adulta as transexuais que abandonaram a escola na infância”, sugeriu.
A delegada Viviane Nery Viegas, diretora adjunta do Departamento de Planejamento e Integração, Divisão de Políticas Públicas da Secretaria Estadual de Segurança Pública, informou que somente em 2019 já foram confeccionadas 140 carteiras de nome social no Rio Grande do Sul. “Isso comprova o sucesso dessa política”, disse. Ela também enfatizou a necessidade de treinamento e capacitação contínua dos agentes da segurança no atendimento à população LGBT.
No início deste ano a Polícia Civil criou um Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis. Dentro essa estrutura, está sendo formalizada a Delegacia de Combate à Intolerância, que atenderá a casos envolvendo discriminação contra a população LGBT, perseguição de cunho religioso ou preconceito racial. A delegada Andrea da Rocha Mattos, responsável pelo departamento, informou que a previsão de abertura da delegacia em Porto Alegre é no primeiro semestre de 2020.
Na área da saúde, a enfermeira Simone Ávila, coordenadora LGBT da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, explicou que desde 2014 vêm sendo feitas capacitações com os servidores do setor para o atendimento adequado à população LGBT. “Já foram 1.515 servidores capacitados, cerca de 65% do total”, informou.
Ela também disse que entre 2017 e 2018 foram registrados 123 notificações de violência contra LGBTs na rede pública de atendimento em Porto Alegre, a maioria delas tendo sido autoprovocada, como em casos de tentativa de suicídio, por exemplo.
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