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| Artigos | Segurança Pública

Por Marcos Rolim, jornalista e sociólogo

 

A realidade da Segurança Pública no RS, especialmente aquela vivida em Porto Alegre e na região metropolitana, chegou a um ponto onde não é mais possível aceitar desculpas. Não é apropriado sequer se falar em “crise da segurança”, porque não estamos diante de um momento agudo de instabilidade, mas da falência de um sistema. Os que podem se protegem com segurança privada, os demais estão entregues a uma sanha de crime e violência que dilacera a vida urbana pelo medo disseminado e pela dor das vítimas e de seus familiares.
O atual governo do Estado tem um ano e seis meses. Neste período, não apresentou sequer um diagnóstico sério na área. Pelo contrário, os gestores seguem lidando com boletins de ocorrência como base de dados, ignorando as altíssimas taxas de subnotificação. Assim, trabalham com dados distorcidos e se orgulham do que desconhecem. Neste particular, operam no mesmo breu dos governos anteriores, promovendo ações reativas e improvisadas em um modelo que é custoso e ineficaz. As instituições da segurança pública do RS não possuem a menor transparência e não contam com sistemas inteligentes de gestão que permitam controle, monitoramento e análise de informações. Ferramentas básicas para a alocação de pessoal, como o georreferenciamento, identificação de hot spots de violência letal, entre inúmeros outros recursos de planejamento seguem desprezados. Não temos sequer bases territoriais comuns para a ação integrada das polícias e compartilhamento de informações, providências elementares de gestão, e todas as tentativas de modernização do modelo esbarram em um conservadorismo que já construiu uma defasagem de duas décadas frente a vários outros estados brasileiros.
As autoridades repetem chavões e demandam mais do mesmo, como se o problema se reduzisse a mais recursos. A cobertura da imprensa, ao invés de identificar os gargalos verdadeiros, reforça o discurso tradicional, produzindo a pauta única de “mais policiais, mais presídios e leis mais duras” que monopoliza a cena pública há décadas. Não se fala de política de segurança, da necessidade de engajamento da sociedade civil, de trabalho em rede, das possibilidades imensas abertas pela prevenção, da necessidade de uma política de Estado que envolva a meta de evasão zero nas escolas públicas, em um programa consistente de inserção dos egressos do sistema prisional, em investimentos em inteligência e perícia, entre tantas outras medidas para conter o crime e a violência no atacado. O gosto, claro, é pelo varejo, na repetição irracional de prisões que entopem os presídios com suspeitos pobres, reforçando as facções criminais. Neste cotidiano lamentável onde há espaço para borrifar adolescentes com gás pimenta e arrastá-los de um prédio público sem mandado judicial, crescem as denúncias contra policiais envolvidos com o crime em uma escala que sugere não mais “maçãs podres”, mas um cesto degradado. Enquanto isso, matadores e estupradores seguem soltos, porque não são, em regra, identificados.
É preciso chamar as coisas pelo seu nome e dizer que o governo está perdido na área da segurança. Talvez esteja perdido também em outras áreas. Na ausência de uma política efetiva, a situação tende a piorar. Tudo aquilo que se sabe sobre a evolução das dinâmicas criminais indica que, depois de uma primeira fase de formação de gangues com perfil “comunitário”, temos uma segunda fase, a de formação de facções. Até a definição de uma forte hegemonia criminal, as facções produzem a guerra entre si. Estamos nesta segunda fase. A terceira fase é aquela onde grupos armados passam a atacar o Estado. Quem imaginar que se pode enfrentar o problema com operações policiais em áreas pobres da periferia está apostando no caos.
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Encerrei meu texto anterior nesse espaço falando em “estocar alimentos” como uma ironia diante do governo Temer que alcançou rapidamente seu espaço na galeria do patético. Ironias nem sempre são compreendidas e algumas mensagens que recebi o confirmam. Aproveito para assinalar que a expressão tem sido empregada há anos por meu amigo Lênio Streck, com mais brilho e, certamente, com muito mais graça.

 

O artigo foi originalmente publicado na Zero Hora