Redação #Equipe50
Dirigentes políticos da esquerda brasileira, argentina, peruana e venezuelana se reuniram em Porto Alegre na manhã deste sábado (23/01) para debater a situação do Brasil e da América Latina diante da crise econômica e social que se coloca sobre a região. Na avaliação dos militantes, a conjuntura atual mobiliza setores da sociedade para a luta contra a direita e contra governos que já não representam os anseios populares. O desafio, apontam, é a construção de uma alternativa política que possa canalizar o descontentamento da população com os partidos tradicionais do regime capitalista. O evento foi organizado pela Fundação Lauro Campos, presidida por Luciana Genro, e pelo PSOL gaúcho.
Para Pedro Fuentes, dirigente nacional do PSOL e militante internacionalista, é preciso construir um modelo alternativo ao capitalismo, que está em crise, e ao “falso socialismo real”, que fracassou. Para isso, ele entende que é preciso se inspirar em modelos de mudança ao redor do mundo, como o partido espanhol Podemos. “A socialdemocracia e os partidos de direita estão em crise, mas o mundo não está indo para a direita. O Podemos foi um exemplo de partido que conseguiu transformar a luta social em luta política”, comentou.
Fuentes acredita que não é possível discutir a situação da América Latina sem falar sobre os Estados Unidos, onde também identifica alternativas que despontam de forma crítica ao sistema político tradicional. “Há um fato novo nos Estados Unidos, que nunca havíamos visto em uma eleição. Bernie Sanders é um outsider que concorre (à Presidência) pelo Partido Democrata, se diz socialista e defende uma revolução política”, animou-se. O dirigente ainda criticou o papel dos governos petistas no Brasil no freio imposto a avanços nos países vizinhos. “Lula e as multinacionais brasileira foram os que mais se esforçaram para isolar os processos políticos na Venezuela e na Bolívia”, concluiu.
Para o professor de relações internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni, a América Latina não está vivendo uma restauração conservadora de direita – apesar de qualificar como “retrocesso brutal” a eleição de Maurício Macri na Argentina. “A direita está tendo a possibilidade de avançar, mas o traço principal na região não é a ascensão da direita. No Brasil, o avanço da direita é diferente e ocorre por dentro do próprio governo”, analisa.
Maringoni avalia que os sucessivos governos de esquerda e de centro-esquerda na América Latina surgiram como “uma reação ao ciclo anterior do modelo neoliberal ds anos 1990”, mas lamenta que eles não tenham “conseguido mudar o caráter do Estado” nem a posição da região na divisão internacional do trabalho.
Já o cineasta e membro da Fundação Lauro Campos, Luiz Arnaldo Campos, avalia que os governos de esquerda eleitos na Bolívia, na Venezuela e no Equador foram precedidas de “gigantescas lutas políticas de massas”. Contudo, ele pontua que as forças imperialistas não permitiram o livre avanço destes processos.
“Foram governos que se propuseram a refundar seus países, com a convocação de assembleias constituintes e a proclamação de um horizonte anticapitalista. Mas quanto mais o capitalismo aprofunda sua crise, mais os países imperialistas apertam o parafuso (sobre esses processos alternativos)”. Para Campos, a Grécia é um exemplo concreto “do preço altíssimo de se enfrentar sozinho o sistema”.
No Peru, Frente Ampla busca construir nova alternativa
O peruano Tito Prado, coordenador do programa da Frente Ampla e do Movimento pela Grande Transformação, fez um resgate das lutas populares em seu país – a imensa maioria delas, ligada à questão extrativista e à resistência contra as grandes mineradoras. Ele relatou o desencanto com a eleição do presidente Ollanta Humala, em 2011, que abandonou a plataforma popular de mudança que embasou sua campanha.
“A eleição do Humala foi uma grande vitória do movimento popular no Peru. Lamentavelmente, o presidente optou por continuar com o modelo neoliberal e governar com a direita. Seus principais ministros vieram dos partidos derrotados”, criticou. Contudo, Tito Prado ressaltou que a traição de Humala não significa que seus projetos sejam vitoriosos. “A direita não vai ter caminho livre para fazer o que quiser. Os projetos extrativistas e mineiros foram derrotados pela luta popular, houve muita resistência. Hoje o governo é desprestigiado e possui apenas 10% de aceitação”, assinalou.
O peruano acredita que há espaço político na sociedade para a construção de uma alternativa que rompa com o governo e com a direita. “A Frente Ampla oferece um programa claro de ruptura com o modelo neoliberal. Defendemos a soberania energética do país e uma assembleia constituinte que formule uma nova Constituição, já que a atual foi feita por um governo ditatorial em 1993.”
Para dirigente argentino, eleição de Macri é fruto de erros do kirchnerismo
Sergio García, dirigente da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA), avalia que a vitória de Maurício Macri na presidência do país prenuncia um período de muito conflito. “Macri é um subproduto de erros e desastres do governo anterior. A Argentina não está nos anos 1990, há um processo de resistência muito grande. Não é um contexto fácil para a esquerda, mas é um contexto de luta”, garantiu.
O sindicalista rejeita a ideia de que há “um giro à direita” na América Latina, pois isso pressupõe a defesa incondicional dos governos que não são organicamente de direita na região. “O kirchnerismo foi muito funcional à estratégia do capitalismo, um sócio direto do capitalismo extrativista”, criticou.
Sergio Garcia lamentou que não haja, ainda, na Argentina, uma articulação entre forças de esquerda capaz de propor uma alternativa ao país. “Na Argentina não há uma alternativa real com peso eleitoral de mudança de esquerda. Essa é uma tarefa pendente na esquerda.”
Burocratização e corrupção desvirtuam processo bolivariano na Venezuela, diz dirigente da Marea Socialista
Gonzalo Gomez, editor do site APORREA e dirigente do Marea Socialista, na Venezuela, afirma que a burocratização e a corrupção degeneraram o processo bolivariano no país. “O novo modelo de transição ao socialismo não foi implementado, ficou congelado. Surgiu uma burocracia que acabou se tornando parte da burguesia. Temos hoje na Venezuela uma burguesia que se sustenta no discurso revolucionário”, criticou.
Para ele, a vitória da direita nas eleições parlamentares representa um voto de castigo e de protesto da população contra o governo de Nicolás Maduro, que falhou em resolver problemas essenciais, como a questão das enormes filas nos supermercados e do desabastecimento de produtos básicos. “A direita ganhou um voto emprestado para castigar o governo. Não é um retorno total a um projeto político de direita”, analisou.
Gonzalo Gomez entende que é preciso construir um projeto político renovador dentro do processo bolivariano, que rompa com a burocratização sem fortalecer as ideias da direita. “Temos que lançar uma nova alternativa política no marco do processo revolucionário. A burocracia é o principal assassino da revolução bolivariana”, atestou.
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