*Artigo do deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL), publicado originalmente na edição desta terça-feira (29/09) da Folha de São Paulo.
Investir no medo é lucrativo. O negócio não entra em crise porque é a própria crise. Como se costuma dizer no economês jornalístico, o mercado do pavor está sempre tenso, inseguro. Do jeito que tem que ser.
Nas liquidações do medo não circulam apenas produtos, câmeras de segurança, alarmes, cercas elétricas e pistolas. Também circulam discursos. A fé no medo move montanhas de dinheiro e de capital político. Os seus maiores efeitos são a eliminação da esperança e a transformação da justiça em vingança.
Os arrastões nas praias da zona sul do Rio são episódios graves de violência. Exatamente por isso, é lamentável ver autoridades públicas especulando com o pavor da população em discursos que defenderam a violação das leis.
O Rio é uma cidade cada vez mais partida pela desigualdade. O resultado disso não é só o desrespeito sistemático aos direitos dos mais pobres.
Essa segregação desumaniza e faz com que eles sejam tratados como estrangeiros indesejáveis nos territórios dos ditos civilizados.
Lamentavelmente, o governador Luiz Fernando Pezão reproduz essa concepção ao afirmar que jovens que estiverem sem camisa ou descalços nos ônibus sejam levados às delegacias. Diante da pressão por dizer algo que a maioria amedrontada da população quer ouvir, a autoridade máxima do Estado criminalizou a pobreza.
É evidente que os problemas sociais não justificam os delitos ou tornam menos graves os arrastões. Mas abordar a questão só do ponto de vista policial, como fez o prefeito Eduardo Paes, é desonesto.
Lazer e cultura são questões sociais e revelam a desigualdade. Segundo pesquisa do IBGE, em 2010, havia na Grande Tijuca e zona sul, áreas de classes média e alta, 366 equipamentos culturais para cerca de 1,3 milhão de pessoas. Na zona norte, região mais pobre, com 2,4 milhões de habitantes, havia apenas 78.
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, também não resistiu à especulação. Ele jogou com os nervos do mercado do pavor ao dizer que não pode agir porque o trabalho da PM foi engessado pela Justiça, que proibiu que pessoas sejam detidas sem flagrante ou mandado de prisão. Isso não é verdade. O Judiciário apenas determinou o cumprimento da lei. As revistas podem continuar.
Diante da possibilidade da ação de justiceiros, a declaração de Beltrame é desastrosa por insinuar que só resta à população fazer justiça com as próprias mãos.
Como escreveu Hanna Arendt, quando o medo vira moeda política, os “homens aprendem que são supérfluos através de um modo de vida em que o castigo nada tem a ver com o crime, em que a insensatez é diariamente renovada”.