Fernanda Melchionna: a vereadora sem papas na língua
Marcelo Gigante Ortiz
Na porta de entrada do gabinete, um cartaz não perdoa a governadora do Estado: “fora Yeda”, diz. Em uma parede, um retrato de George W. Bush acompanhado da afirmação: “procurado por crimes contra a humanidade”. No centro de todos esses acessórios, a personalidade política combativa da mais jovem vereadora de Porto Alegre, Fernanda Melchionna (Psol). Vinda do movimento estudantil, a bibliotecária de 25 anos é admiradora de Che Guevara e Hugo Chávez, mas não se entusiasma com o líder norte-americano Barack Obama.
Por todos esses ingredientes, seria fácil taxar Fernanda de radical. Porém, quem a observar além das adjetivações poderá perceber uma jovem com boa capacidade oratória, acompanhada de um vocabulário rico e conhecimento sobre política. Certa ou errada defende suas ideias com paixão.
Essa paixão pela política teve início em 1997, quando a menina de Alegrete se mudou com a mãe para Porto Alegre. Na época, o governador do Rio Grande do Sul era Antonio Britto (ex-PMDB), que teve seu governo marcado pelas polêmicas privatizações da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) e da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). “Aquela época me despertou. A luta do movimento estudantil, do grêmio da minha escola despertou em mim a necessidade de lutar contra a precarização e a venda do patrimônio público do Estado”, conta a vereadora. Na ocasião, ela tinha 13 anos e estudava no Sévigné, único colégio particular em seu histórico escolar.
Então a socialista se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) e iniciou a sua militância política, que não foi interrompida pela necessidade de retornar à cidade natal. Em Alegrete, onde o pai de Fernanda participou da fundação do PT local, ela ajudou na organização do partido e participou de campanhas eleitorais.
De volta a Porto Alegre, em 2001, Fernanda ingressou na Faculdade de Biblioteconomia da UFRGS e consolidou sua adesão ao movimento estudantil, chegando a coordenar o DCE da universidade posteriormente.“Foi um ano muito peculiar do ponto de vista da universidade federal(…). Em diversas, o corte de investimento levou ao sucateamento brutal e a privatização branca”, critica a socialista, se referindo também ao aumento de linhas de crédito concedidas pelo governo a faculdades privadas, muitas vezes de qualidade duvidosa. Aliás, esse tipo de reclamação era comum entre os filiados do Partido dos Trabalhadores.
Porém, em 2003, a opção pelo PT se transformou em decepção. Ela abandonou a sigla e se juntou a Luciana Genro, Heloísa Helena e tantos outros que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), do qual Fernanda nunca mais saiu. Ao justificar a mudança, a vereadora cita a frustração provocada pelas reformas da Previdência e Universitária, propostas pelo governo Lula na época.
Mas o atual Presidente da República não é o único alvo do arsenal de críticas da jovem. Mesmo sem ser provocada, ela lista diversas situações e personagens da política nacional que a incomodam. Edmar Moreira (DEM), ex-corregedor da Câmara de Deputados e dono de um castelo, Daniel Dantas, banqueiro bem relacionado no meio político e investigado por crimes como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal e o petista Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-candidato à presidência da Câmara, não são perdoados. Sobre o último, ela alfineta: “era advogado do movimento social e agora é advogado do Daniel Dantas, olha que degeneração política e moral”.
Em relação ao governo do Estado, Fernanda pega mais pesado. Além de questionar a eficácia do projeto da secretaria de Educação que vincula os benefícios dos professores a índices de desempenho e criticar o fechamento de escolas, a vereadora chama o grupo governante de “a quadrilha instituída lá no Palácio Piratini”. Continuando assim, não será difícil criar muitos adversários no mundo político.
Porém, quem quiser enfrentar a jovem em um debate terá que estar bem preparado. Além de conhecer política, ela mostra ter bastante cultura. Por sua retina, já passaram a literatura de Jorge Amado, Gabriel García Márquez e Dostoiévski. Ainda sobre livros que leu, Fernanda cita “O Abusado”, de Caco Barcellos e “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, de cunho social. E como não poderia deixar de ser, Marx, “O Manifesto Comunista” e “O Capital” (livro que ela ainda está lendo), e Eduardo Galeano, “As Veias Abertas da América Latina”, leituras obrigatórias para qualquer ativista de esquerda.
Sobre cinema, também preponderam filmes que exploram problemas sociais, embora estes não sejam todos. Na lista, encontram-se “Pão e Rosas”, que narra a situação de trabalhadoras imigrantes mexicanas nos EUA, “Coisas Belas e Sujas”, que fala sobre imigração e tráfico de órgãos, “Princesas”, que conta a estória de duas prostitutas que vivem na Espanha. Além destes, “Ensaio sobre a Cegueira”, do diretor brasileiro Fernando Meirelles e “Diários de Motocicleta”, que narra uma viagem que o estudante de medicina argentino Ernesto Guevara de la Serna fez pela América Latina, antes de se tornar um revolucionário.
Aliás, esse tal estudante, hoje conhecido como o revolucionário comunista Che Guevara, é um dos ídolos da moça. O motivo, “sonhar e acreditar que os sonhos se concretizem”, que era o que ele fazia segundo ela. Ainda na América Latina, a vereadora diz admirar o governo do venezuelano Hugo Chávez e enfatiza o sucesso dos números sociais de sua administração.
No Brasil, a vereadora se guia pelas correligionárias Luciana Genro e Heloísa Helena, por achar que elas não se venderam ao jogo sujo do poder. “Por serem mulheres também. A gente sabe da diferença de gênero que ainda existe na nossa sociedade”, completa, demonstrando um viés feminista.
Mas a admiração emprestada à Chávez e às colegas de partido não se estende ao novo presidente dos EUA, Barack Obama. Segundo a vereadora, a eleição do democrata foi uma negação dos norte-americanos à Guerra do Iraque orquestrada por George W. Bush, e só. Pela equipe econômica e pelas primeiras ações de Obama, a socialista acredita que ele se transformará em uma “frustração eleitoral”.
Fernanda, porém, não pretende frustrar seus 2.984 eleitores. Para isso, a aquariana de olhos verdes, que foi empossada vereadora com uma bandeira da Palestina nas costas, promete
lutar contra o projeto do Pontal do Estaleiro, que permite a construção de residências em parte da orla do Guaíba. Sobre o projeto ela afirma: “estão rasgando o Plano Diretor de Porto Alegre”. Outra preocupação da jovem é a regularização fundiária de 800 comunidades da cidade, que, segundo ela, não recebem a mesma atenção dos políticos que os projetos que mudam a fotografia da cidade.
Fora isso, restam algumas preocupações privadas, como uma eventual desorganização do gabinete, uma conta atrasada para pagar no banco e a dificuldade em diminuir, ou talvez um dia, acabar com o hábito de fumar. “Eu vou ver se consigo estabelecer uma meta diária e tentar controlar os cigarros por dia”, conta esperançosa.