Mãe Ana Marta esteve no gabinete da deputada para relatar o ocorrido em Charqueadas.
Mãe Ana Marta esteve no gabinete da deputada para relatar o ocorrido em Charqueadas.

| Matriz Africana

Dois episódios recentes de intolerância religiosa em Charqueadas, na Região Carbonífera, acenderam o alerta sobre a escalada de racismo religioso e violência contra casas de matriz africana no município. Os casos envolvem a mãe de santo Ana Marta Alencastro e o pai de santo Luan Lenzzi, ambos alvos de perseguição por vizinhos, tentativas de criminalização de práticas religiosas e ações abusivas envolvendo órgãos públicos e atores privados. A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) acompanha as denúncias e está tomando providências para responsabilização e proteção das vítimas.

Os casos levaram em torno de 100 pessoas a um ato no parque da cidade, no dia 2 de novembro, para protestar contra a discriminação sofrida pelos religiosos, no qual o mandato da deputada Luciana Genro se fez presente.

Mãe Ana Marta, que há duas décadas pratica umbanda, se mudou para um bairro de classe média em Charqueadas há cerca de um ano e desde então relata hostilidade constante dos vizinhos. Inclusive, funcionários da imobiliária afirmaram que ela não poderia usar a residência como terreiro, tentativa ilegal de restringir o exercício religioso. Mesmo acompanhada de uma advogada, ouviu da imobiliária que um vizinho teria reclamado que “batia tambor todo dia”, o que não corresponde à realidade, visto que ela garante que as sessões acontecem apenas uma vez por semana e nunca após as 22h.

Apesar de explicar previamente aos vizinhos que respeitaria os horários, a mãe de santo passou a sofrer retaliações. “Após eu fazer um vídeo expondo a situação, piorou ainda mais. Moradores passaram a me encarar, jogar pedras em direção à residência e criar um ambiente de medo, fazendo inclusive eu deixar de levar minha filha para a creche alguns dias”, contou. Como agravante, a imobiliária chegou a emitir uma notificação mesmo após a proprietária da casa afirmar que não expulsaria a moradora nem tinha objeções às práticas religiosas.

Outro caso grave envolve o pai de santo Luan Lenzzi, do Centro de Umbanda Kabala Elêsùn. Em um episódio ocorrido há poucos meses, seu culto foi interrompido pela Brigada Militar poucos minutos após iniciar, a partir de uma suposta reclamação de vizinhos. Ambas as lideranças residem próximas, na Vila Aços Finos Piratini.

Quando tentou registrar ocorrência na Polícia Civil, Luan ouviu que não poderia registrar contra a Brigada Militar, o que posteriormente foi levado por Luciana Genro em reunião com o chefe da Polícia Civil, que afirmou se tratar de uma prática irregular. Além disso, um vizinho que é policial militar chegou a organizar um abaixo-assinado pedindo sua retirada do local, evidenciando um contexto de perseguição e constrangimento ilegal às práticas religiosas.

A deputada estadual Luciana Genro afirmou que os casos são gravíssimos e representam violações diretas à liberdade religiosa e aos direitos humanos. “Precisamos enfrentar com firmeza a intolerância religiosa em Charqueadas. Quando vizinhos, imobiliárias ou agentes do Estado atuam para constranger e criminalizar religiões de matriz africana, estamos diante de violações que não podem ser toleradas”, pontuou. A parlamentar, que vem realizando audiências públicas sobre o tema em todo o Rio Grande do Sul, planeja uma para Charqueadas para o início de 2026.

Diante da gravidade da situação, o mandato também irá acionar o Comando da Brigada Militar, questionando a atuação especialmente no caso do Pai Luan; oficiar a imobiliária que notificou indevidamente Mãe Ana Marta; e encaminhar o caso à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH), que tratará do tema na reunião marcada para 10 de dezembro.

Luciana Genro destaca ainda que os ataques não se tratam de episódios isolados, mas de um ambiente crescente de intolerância religiosa na cidade: “O Rio Grande do Sul tem registrado um aumento preocupante desse tipo de crime. Vamos atuar para garantir a proteção das casas de religião de matriz africana e responsabilizar quem tenta transformar racismo religioso em política de vizinhança.”