Audiência povo de terreiro Cachoeira do Sul
Audiência povo de terreiro Cachoeira do Sul

| Matriz Africana

Dando continuidade à série de audiências públicas sobre intolerância religiosa que vem promovendo pelo Rio Grande do Sul, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) realizou, na noite desta quarta-feira (22), um encontro em Cachoeira do Sul, na Câmara de Vereadores. A atividade ocorreu no âmbito da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, em parceria com o mandato do vereador Ryan Rosa (PT).

A audiência começou animando o público presente, que lotou as galerias da Câmara, com rezas entoadas pelos Tamboreiros Mathias e Anael, acompanhadas de uma roda dos babalorixás e yalorixás da cidade, seguida de uma apresentação do grupo Araras Show. Foi um evento histórico e extremamente simbólico na luta contra o racismo religioso em Cachoeira do Sul, por ser a primeira vez que o povo de terreiro tem voz e oportunidade de ocupar de forma oficial o espaço do Plenário da Câmara de Vereadores da cidade.

Nos últimos meses, Luciana Genro já levou o debate a Porto Alegre, Cachoeirinha, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Viamão e Canoas. Como resultado da mobilização, recentemente a Defensoria Pública do Estado e a Defensoria da União publicaram um documento oficial reconhecendo o direito das religiões de matriz africana de realizarem seus rituais com liberdade e respeito, sem perseguições ou interrupções por conta dos sons sagrados.

Em sua fala, a deputada destacou que os ataques às casas de axé e aos praticantes dessas religiões estão diretamente ligados ao racismo estrutural. Ela lembrou que o toque do tambor, frequentemente alvo de denúncias e reclamações, é sagrado e protegido por lei, destacando o documento emitido pelas Defensorias. “Não se tratam de ‘brigas de vizinhança’. O toque do tambor é sagrado e precisa ser respeitado. A lei garante liberdade às religiões de matriz africana, mas a falta de orientação, visibilidade e o preconceito fazem com que ela não seja cumprida”, afirmou Luciana Genro.

O encontro contou com a participação de diversas lideranças religiosas, apoiadores da causa e da vereadora Mariana Carlos, do PT. Na ocasião, Pai Marcos lembrou que a luta pela liberdade religiosa do povo negro atravessa séculos e segue atual, defendendo que o povo de terreiro ocupe mais espaços políticos e institucionais. Mãe Raissa, do Conselho de Segurança Alimentar, reforçou que a intolerância religiosa é uma forma de violência e que o enfrentamento a esse tipo de discriminação deve ser compromisso coletivo.

Entre os relatos mais emocionados, Pai Kássyo Macyel de Oxum destacou a resistência e a força da fé diante das tentativas de silenciamento. “Estão tentando silenciar o meu tambor, a minha fé, estão tentando nos calar. Mas a minha ancestralidade é forte, não vão conseguir calar a nossa história”, disse, sob aplausos do público. A perseguição à casa religiosa de Kássyo foi o que evidenciou a necessidade da audiência pública ser realizada em Cachoeira do Sul. Ele buscou apoio do mandato de Luciana Genro após ter seu terreiro interditado, sob a alegação de ser uma “casa de festas” funcionando sem alvará.

Durante o encontro, Pai Tiago de Bará, presidente da Asidrab, mencionou o caso de uma Iyalorixá agredida em São Leopoldo enquanto realizava um ritual com pipoca — um exemplo entre muitos episódios de intolerância registrados no estado e no país. Cebola de Oxalá, presidente do PSOL Canoas e responsável pelas demandas de axé no mandato de Luciana Genro, destacou o papel da deputada na defesa do povo de terreiro. “Seria ótimo se tivéssemos mais pessoas como a Luciana em todas as casas legislativas. Quando não somos ouvidos, precisamos trocar os políticos”, disse.

Josué Barbosa Ferreira, dirigente de uma casa religiosa em Cachoeira do Sul, relatou ataques ao terreiro de sua família. “Quando falamos de intolerância religiosa, não falamos apenas de ofensas verbais. Falamos de casas depredadas, oferendas destruídas, crianças escondendo suas contas. Não pedimos privilégio, pedimos respeito”, afirmou. Mãe Vera de Oxum também compartilhou um depoimento marcante, relatando episódios de hostilidade e violência que enfrenta há anos. “Passo por muitos problemas com os vizinhos. Meus animais são mortos envenenados, eu preciso deixar eles trancados se eu saio”, relatou.

Os presentes lamentaram a ausência de representantes da Prefeitura, do Ministério Público, da Brigada Militar e outras autoridades que foram convidados, mas não compareceram à audiência. Segundo a deputada, a presença dessas instituições é essencial para o enfrentamento efetivo da intolerância religiosa.

Encerrando o encontro, Luciana Genro reiterou o compromisso de seguir promovendo debates em diferentes regiões do estado, com o objetivo de fortalecer a luta por respeito e liberdade religiosa, e reafirmou: “Por muitos anos, o povo de axé foi calado, foi silenciado pelo medo, pelo racismo e pela intolerância. Mas quem deve ser criminalizado é o intolerante, é o racista. O povo de terreiro precisa denunciar, precisa fazer boletim de ocorrência. Contem comigo para garantir que vocês sempre tenham espaço na Assembleia Legislativa”, concluiu.