Ao lado da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), que coordena os trabalhos, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) participou da 1ª Reunião da Comissão Externa Destinada a Acompanhar os Casos de Feminicídios no Rio Grande do Sul. O grupo, formado por representações federais, estaduais e diversas entidades que vêm trabalhando há décadas com a pauta, tem como objetivo propor ações concretas e articuladas para prevenir feminicídios e combater a violência de gênero.
O primeiro encontro, que ocorreu na Defensoria Pública do Estado, em Porto Alegre, deu início aos processos de escuta que serão compilados em um relatório final, a ser apresentado em Brasília. A comissão, que não possuirá um prazo pré-definido para encerrar suas atividades, deve apresentar uma versão preliminar do relatório final, já com um esboço das medidas a serem adotadas, tanto em nível regional quanto nacional, em outubro deste ano.
“É urgente enfrentar a epidemia de feminicídios que atinge o nosso estado. Cada mulher assassinada é uma história interrompida, uma vida arrancada pelo machismo e pela omissão do poder público, principalmente, do governador Eduardo Leite que pouco faz para combatê-la”, criticou Fernanda Melchionna, que encabeça os trabalhos da comissão. “Precisamos transformar essa nossa indignação em ação. Que essa comissão seja um passo real para garantir que nenhuma mulher a mais seja vítima da violência de gênero”, finalizou.
Um dos pontos mais enfatizados durante o debate é que os feminicídios atualmente não atingem apenas as mulheres. Muitos agressores também vêm tendo como alvo o dano às suas famílias, principalmente os filhos e até as mães das vítimas. Em maio deste ano, por exemplo, na cidade de Três Coroas, Juliana Tais Mateus, de 40 anos, foi morta a facadas junto à sua mãe, Zilma Damiani Mateus, por seu ex-companheiro. Juliana tinha uma medida protetiva vigente. Dois meses antes, Tiago Ricardo Felber atirou o próprio filho, de apenas 5 anos, de uma ponte. Em depoimento à Polícia, ele disse que fez “tudo isso para fazer a mãe (sua ex-companheira) sofrer um pouquinho”. O crime aconteceu em São Gabriel, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.
“Sendo esse o cenário, é preciso encarar de frente a urgência de repensarmos as nossas políticas públicas de proteção às vítimas”, afirmou Luciana Genro. “A vítima nunca deve ser culpabilizada, principalmente em relação à subnotificação. O culpado é o agressor, é o sistema que falhou! Quando uma mulher não denuncia, é exatamente porque não confia no sistema, sabe que o atendimento é ineficiente ou que, pior ainda, a expõe ainda mais a violência, aumenta o grau de violência que ela e seus familiares vêm a sofrer”, pontuou a deputada.
“Por isso, é preciso focar tanto no monitoramento quanto na responsabilização dos agressores, considerando que eles devem ser vigiados pelas autoridades para garantir a segurança dessas mulheres e de suas famílias”, defendeu a deputada, que já propôs a publicação de uma recomendação aos magistrados do Rio Grande do Sul para que, junto às medidas protetivas de urgência, esses já determinem o uso de tornozeleira eletrônica, como prevê a Lei Maria da Penha. Dados apontam que apenas 15% das tornozeleiras estão em uso, ou seja, 300 das 2 mil disponíveis. Por essa razão, Luciana Genro oficiou a Corregedoria-Geral de Justiça, o Tribunal de Justiça e o Governo do Rio Grande do Sul com questionamentos e recomendações sobre o tema.
Outro ponto debatido é que muitos feminicídios nem estão sendo classificados como tal, principalmente nos casos em que as mulheres vêm a óbito nos hospitais. As delegacias também precisam ser “uma porta de saída”, ou seja, que garantam o atendimento, o registro do boletim de ocorrência, o acolhimento psicossocial e a assistência total às vítimas. Um serviço que ajude tanto a mulher quanto seus filhos a se restabelecerem junto à uma rede de apoio eficiente e responsiva.
Um dos caminhos para prevenir o feminicídio é avaliar como o poder institucional esteve presente na trajetória das vítimas e se ele se omitiu nas horas que antecederam o crime. Para tal, um projeto, desenvolvido por pesquisadores da UFRGS, será estudado pela comissão, propondo o monitoramento dos 10 dias que antecedem o feminicídio, mostrando exatamente quais serviços do estado a mulher procurou, qual o atendimento que ele teve e onde exatamente o “sistema falhou”. “É uma possibilidade importante para que o poder público vá às causas, e não apareça apenas nas consequências”, defendeu Fernanda Melchionna.
Como primeiro encaminhamento da comissão, foi aprovada a moção para a reabertura da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres, extinta em 2015. O próximo encontro do grupo, que deve acontecer no dia 24, irá debater como viabilizar a escuta às comunidades nas ocupações e nos territórios, onde a violência é ainda maior e os números estão subnotificados, a dificuldade das mulheres do interior, principalmente nas zonas rurais, para acessar delegacias especializadas, e os entraves para o preenchimento dos questionários exigidos pelas autoridades, que contam com pelo menos 20 questões.
Com essa nova comissão, a expectativa é que, junto às comunidades, às redes de apoio, às expertises da academia e às diferentes esferas públicas, seja possível propor caminhos para que o Rio Grande do Sul se torne um lugar onde as mulheres vivam e, acima de tudo, vivam sem medo da violência motivada pelo gênero.