“Eu preciso que você fique totalmente pelado e faça agachamentos na minha frente” e “o que vocês vieram fazer aqui no Sul?” foram apenas algumas das ordens e questionados que Ricardo Alves ouviu dos dois policiais civis responsáveis pela abordagem feita após o seu expediente normal de trabalho no Aeroporto Salgado Filho. Ao lado de uma colega baiana, que só não passou pelo mesmo constrangimento em razão da ausência de uma policial mulher no turno, Ricardo, que é paulista, foi acusado de um possível furto de um aparelho celular que teria sido esquecido por uma passageira em um dos banheiros públicos do edifício.
O relato foi narrado durante audiência da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH), por solicitação da a deputada Luciana Genro (PSOL), que manifestou de forma veemente seu total repúdio ao fato ocorrido. Ela ressaltou que essa não é apenas uma situação ilegal – já que ação de desnudamento ocorreu em uma sala não reservada, na qual era possível que os transeuntes do saguão do aeroporto e até uma colega observassem a nudez do trabalhador e a ação repetitiva dos agachamentos -, mas também xenofóbica. “Esse é um relato duro de se ouvir. Enquanto você falava, parecia que eu estava vendo um filme de assédio e humilhação no trabalho como a gente vê, infelizmente, em outras circunstâncias”, declarou a deputada após o depoimento do trabalhador terceirizado na Comissão.
Hoje, mesmo após 3 anos do ocorrido e perante a ausência de providências tomadas tanto pela empregadora, que ainda segue constrangendo o trabalhador ao citá-lo como o exemplo de “quem fica em casa dormindo, enquanto vocês (colegas) trabalham”, como da Fraport, operadora do aeroporto que forneceu as imagens que os colocaram como suspeitos, Rafael segue fazendo o uso de medicamentos psicotrópicos para controlar as crises de ansiedade e a constante sensação de perseguição e vigia que desenvolveu após o episódio. “Eles nunca me ligaram. O fato nunca me foi explicado e, segundo a Polícia Civil, essa foi uma abordagem ‘normal’. Hoje eu não consigo sair de casa, dormir direito e preciso dos remédios constantemente. Esse caso mexeu com a minha vida”, lamentou o trabalhador terceirizado.
Perante o relatado, Luciana Genro, junto da CCDH, irá questionar a necessidade da abordagem policial, especialmente, no que diz respeito aos procedimentos aplicados possivelmente na tentativa de encontrar o aparelho que estava há mais de 5 horas perdido em um local público e amplamente frequentado do já referido estabelecimento. “No âmbito das relações de trabalho, iremos também enviar um ofício ao Ministério Público do Trabalho para que esse investigue os motivos da empresa ter permitido que esse tipo de situação acontecesse”, afirmou Luciana Genro ao fim da audiência.