A deputada Luciana Genro (PSOL) realizou nesta segunda-feira (28/03) uma audiência pública na Comissão de Educação sobre a redução da carga horária de disciplinas e a reformulação do Ensino Médio proposta pelo governo do estado. Realizada de forma híbrida, presencialmente no Plenarinho da Assembleia Legislativa e com participações virtuais, a audiência contou com a participação de estudantes e professores que relataram seu descontentamento acerca da falta de consulta à comunidade escolar sobre o projeto da Secretaria de Educação (Seduc).
“Lamentavelmente, a discussão não foi conduzida de forma ampla o bastante para garantir uma participação efetiva do conjunto da comunidade escolar. Queremos ouvir as entidades, professores e estudantes para que nós possamos buscar interferir nesse processo de uma forma organizada e que atenda aos anseios dos envolvidos”, iniciou a deputada Luciana Genro.
Ela mencionou a redução de carga horária de Educação Física, que terá apenas um período no 1º ano. Já a Língua Espanhola será contemplada apenas com um período por semana no 2º ano, da mesma forma que a Sociologia, enquanto a Filosofia ficará apenas no 1º. Literatura terá apenas dois períodos no 1º ano e depois desaparece como disciplina obrigatória – estas, inclusive, foram reduzidas em prol do que a Seduc chama de itinerários formativos, que foram criticados pela parlamentar. “Os alunos não têm de fato a liberdade de decidir, eles têm que lidar com o que a escola oferece. E acaba se perdendo conteúdo de outras matérias importantes, ao se escolher um itinerário formativo”, apontou Luciana Genro. Na prática, todas as disciplinas tiveram redução de carga horária obrigatória, a não ser Português e Matemática.
A deputada federal Fernanda Melchionna também se fez presente na audiência e destacou o agravamento de problemas na educação brasileira com a pandemia. “Tira-se disciplinas como Sociologia, Filosofia, que incentivam o livre pensar, e até disciplinas que são necessárias para o vestibular. É uma ideia de que estudante de escola pública só pode sair da escola para ir para uma profissão sem ensino superior, que também são dignas, mas não podem ser a única opção”, refletiu, destacando ainda a importância do Espanhol, considerando-se as fronteiras do Rio Grande do Sul e do Brasil com os demais países sul-americanos.
Professoras criticam proposta
A professora Neiva Lazzarotto, diretora do 39º Núcleo do Cpers/Sindicato e vice-diretora da Escola Estadual Emílio Massott, também deu destaque à redução das disciplinas que criam espírito crítico. “Queremos que a juventude da classe trabalhadora, a juventude negra, possa chegar na universidade. Cria-se um abismo maior ainda nas possibilidades de igualar o acesso à universidade. Não adianta ter uma disciplina ‘mundo do trabalho’, quando de fato o mundo do trabalho está cada vez com menos direitos, menos empregos, com salários menores”, afirmou.
Neiva apontou que 4,9 milhões de pessoas no RS, o equivalente a 43% da população, não concluíram a educação básica, e que o novo Ensino Médio afasta ainda mais as pessoas das escolas. “Precisamos de modelos que garantam o acesso ao conhecimento, acesso à universidade e ao mundo do trabalho. As formações de professores para esse novo modelo têm sido feitas por uma empresa privada. Temos tantas universidades federais, por que não elas nos assessoram?”, questionou.
A professora de Biologia Zilá Farias, vice-diretora do do 38º Núcleo do Cpers/Sindicato, abordou a falta de condições das escolas em geral no estado. “O governo coloca novos componentes, mas não tem professores nas escolas. Não tem dinheiro para preparar merenda, não tem merendeira. Estas preocupações que seriam importantes um governo ter neste momento, em que precisamos motivar os alunos a voltar para as escolas”, disse. O Conselho Regional de Educação Física também se manifestou, a partir da fala da professora Ninon Leal, que afirmou que a categoria tem bastante interesse na revisão do novo Ensino Médio, “que traz muitos prejuízos aos estudantes do nosso estado”.
“Não houve debate”, colocam estudantes
“Esse é mais um projeto em que não houve debate com a comunidade escolar, com os professores, com os estudantes”, afirmou o diretor da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) Pedro Feltrin. Ele relatou as dificuldades que os estudantes enfrentaram durante a pandemia e que, agora, seguem existindo com o desmonte da grade curricular, imposto às escolas públicas mesmo sem estrutura. No caso das escolas privadas, a mudança é opcional. “Estamos cobrando papel higiênico nos banheiros, merenda nas nossas escolas, enquanto tem projetos que aumentam ainda mais a diferença entre a escola pública e privada”, colocou.
Representando o Diretório Central dos Estudantes da UFRGS, Patrick Veiga lembrou que o último Enem foi o mais desigual da história e permeado pela crise no Inep, instituto federal que elabora a prova. “A implementação de uma reforma do Ensino Médio nesse nível, dessa profundidade, nesse momento, é um caos na educação. Deveria haver debate com os estudantes, e não a implementação de forma atravessada de uma reforma que nada diz respeito à formação escolar que nós queremos”, colocou, lembrando também dos escândalos envolvendo o ministro Milton Ribeiro. Durante a reunião, os participantes receberam e comemoraram a notícia da exoneração do ministro.
A falta de voz aos estudantes também foi criticada por Lincon Fonseca, presidente da UGES (União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas). “Qual projeto de vida podemos traçar enquanto estudante de escola pública hoje no Brasil que não passe por evadir escola pra ajudar a sustentar a casa, ou por ter que cuidar do irmão mais novo porque não tem creche? Isso evidencia que não foi construído com a comunidade escolar, porque não se conhece a realidade da comunidade escolar”, apontou, destacando ainda a falta de reposição salarial e de valorização dos professores e funcionários.
Seduc defende abordagem
O representante do Conselho Estadual de Educação, Oswaldo Dalpiaz, fez uma defesa da proposta da Seduc, justificando que ” a maioria dos estudantes não estão passando ainda pelo novo Ensino Médio, apenas o primeiro ano está recebendo essa estrutura” e que “a Educação Física vai fazer falta para alguns, mas outros que hoje também não têm interesse não vão sentir”. Relatou que o Conselho debateu e estudou bastante a proposta antes de aprová-la.
A diretora do Departamento Pedagógico da Seduc, Letícia Grigoletto, representou o governo e garantiu que todos os presentes “têm o mesmo objetivo de oferecer uma educação de qualidade para nossos jovens”, destacando o histórico que levou à aprovação da lei nacional que determinou mudanças no Ensino Médio e o aumento da carga horária de estudos. “A falta de motivação para frequentar a escola e as diferenças entre a vida prática e a escola eram alguns dos motivos para evasão escolar. A nova proposta tem três pilares: garantia a todos os jovens nos direitos de aprendizagens comuns; o desenvolvimento do protagonismo desses estudantes e do seu projeto de vida; e a ampliação da carga horária”, disse.
Assim, deve-se atingir 1400 horas anuais durante o Ensino Médio, compostas por uma formação geral básica de Português, Matemática, Química, Física, que eram divididas em 1000 horas no total, e agora compreende 800 horas no primeiro ano, 600 no segundo e 400 horas no terceiro. “As demais horas compreendem o aprofundamento a partir do itinerário formativo que o estudante escolher”, colocou, convidando os presentes a participarem da consulta aberta que está sendo realizada sobre os itinerários formativos até o dia 4 de abril.
Protagonismo não ocorre na prática
Após ouvir a explanação da Seduc e do Conselho Estadual, a professora Neiva colocou que convida a professora Letícia e a secretária Raquel Teixeira a visitarem os professores e estudantes. “Lá na escola, a vida não é o que a professora Letícia fala”, afirmou. Outros integrantes da mesa também reiteraram suas críticas. “Esse corte da nossa grade curricular vai afetar muito sim nossa qualidade do ensino. Pra nós, não desce o discurso de ter algumas escolas modelos enquanto outras ficam tão sucateadas e invisibilizadas”, acrescentou Pedro Feltrin.
“Os estudantes entendem a necessidade de uma reforma do Ensino Médio, mas que seja construída desde o início com os estudantes e professores. Ouçam mais os estudantes, porque é para os estudantes que a escola serve”, colocou Lincon. A deputada Luciana Genro encerrou a reunião destacando também que a formação de professores para o novo modelo não está sendo oferecida na amplitude que a Seduc alega.
“Na prática, o protagonismo dos estudantes não está acontecendo, não participaram dessa discussão. Faltam professores e funcionários nas escolas, então como fazer uma mudança de estrutura sem ter os professores necessários para disciplinas? Faltam laboratórios, bibliotecas. Faltam políticas públicas para recuperar os prejuízos da pandemia. Nem estudantes nem professores aqui presentes identificaram qualquer política de busca de recuperação desses prejuízos”, criticou. Ela também afirmou que se soma à luta pelo projeto do deputado Beto Fantinel, presidente da Comissão de Educação, que determina a obrigatoriedade da Educação Física nos três anos do Ensino Médio, e que irá lutar para que outros conteúdos também sejam incluídos em propostas semelhantes.