Professores, estudantes e servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) denunciaram, em audiência pública na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, os problemas e crises que vêm ocorrendo na instituição desde que o governo Bolsonaro interviu na decisão universitária e nomeou o reitor Carlos André Bulhões. A audiência, proposta pelas deputadas Luciana Genro (PSOL) e Sofia Cavedon (PT), foi uma demanda do coletivo UFRGS Pela Democracia.
Os participantes denunciaram que Bulhões promoveu reformas administrativas sem o aval do Conselho Universitário (Consun), instância máxima de decisões da instituição, além de não dialogar com o órgão, tendo inclusive vetado a decisão que exigiu o passaporte vacinal para a retomada das aulas presenciais. O veto foi posteriormente derrubado pelo próprio Consun. “A universidade vive uma crise da democracia. O interventor foi nomeado de modo a contrariar a vontade da comunidade. Então como vamos continuar afirmando e defendendo a legitimidade e qualidade da UFRGS dessa forma?” questionou o professor Francisco Marshall.
Na abertura da audiência, Luciana Genro chamou atenção para a política de Bolsonaro que vem promovendo cortes brutais na educação, executando apenas R$ 90 bilhões dos R$ 145 bilhões previstos no orçamento. “Neste sentido, o interventor nomeado por ele tem um papel a cumprir. Então queremos ouvir em maiores detalhes o que está acontecendo na universidade e de que forma podemos contribuir”, colocou.
Em vídeo enviado às deputadas, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro defendeu que sejam pensadas novas formas de indicação dos reitores nas universidades, “que não deem mais ao governo a possibilidade de inverter por completo a decisão da comunidade”. Essa medida também foi defendida por diversos outros participantes da audiência. Pedro Almeida da Costa, representando o Consun, voltou a falar do assunto, pedindo a colaboração da classe política para que esse processo seja reformulado, e destacou que são mais de 20 universidades sob intervenção do governo federal. “O reitor ficou em terceiro lugar na consulta interna, mas assumiu, sem diálogo com o Conselho e com a comunidade. Na primeira semana, já determinou uma grande reformulação da administração central, que deveria passar pelo Conselho”, apontou.
“Quando o reitor muda a distribuição das diferentes reitorias e cria a Pró-Reitoria de Inovação sem o aval dos conselhos superiores, está quebrando uma regra universal”, complementou a professora Márcia Barbosa, do movimento SomosUfrgs. Ela afirmou que o reitor está “desenhando um projeto de destruição da universidade, que dialoga com o projeto do governo federal”. O professor Dilermando Cataneo, integrante da Andes e do Consun, reiterou que a Reitoria deveria obedecer ao Consun, que é o órgão superior de normatização e deliberação. “É isso que garante a gestão democrática e a autonomia da universidade”, disse.
Na reestruturação administrativa, Bulhões mudou o quadro de Pró-Reitorias universitárias e transformou a Pró-Reitoria de Recursos Humanos em uma Superintendência, além de ter criado a Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais (Proir) sem debate e autorização do Consun. Por isso, o Conselho votou pela destituição de Bulhões, mas a decisão final sobre o assunto cabe ao Ministério da Educação. “Essa questão da reforma não passou nem ao menos pelo seu conselho superior, que é o Consun. Inclusive, a Reitoria nem participou dos debates nesse período que foram feitos no Consun”, destacou Ana Paula Santos, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
O Consun aprovou, então, que a reforma de Bulhões fosse desfeita, mas até hoje isso não teve efeito, segundo Ana Paula. “Há muitos debates que precisamos fazer sobre autonomia e paridade e sobre a própria formação da lista tríplice no Conselho Universitário”, acrescentou. A questão da paridade também foi levantada por Gabriel Freitas Focking, coordenador-geral da Assufrgs, que lembrou que a própria votação interna para a reitoria é feita em um sistema em que o voto dos professores têm peso de 70% e o dos estudantes e técnicos-administrativos, 15% cada. “Nós questionamos esse processo, mas mesmo essa consulta não foi respeitada. Seria quase como se o governador do estado decidisse mudar a estrutura do estado sem o consentimento da Assembleia”, comparou.
A própria escolha por lista tríplice, que é enviada ao governo federal, foi criticada pelos representantes da ADUFRGS-Sindical. “A lista tríplice faz mal para a democracia e para nossas instituições, as eleições precisam ser concluídas nas próprias universidades, e não com os governos intervindo nas universidades”, disse o diretor da entidade, Jairo Bolter. Felipe Comunello, conselheiro da ADUFRGS, destacou que esse processo é um resquício da ditadura militar, e falou da importância da luta contra a PEC 32 para se defender os serviços públicos. “Essa PEC vai permitir que a intervenção avance”, apontou.
O servidor Rui Muniz, também integrante do Consun, foi vítima direta do que chamou da “política de exceção” que está ocorrendo na universidade. Em junho, a convite da deputada Luciana Genro, ele denunciou na Assembleia Legislativa as perseguições que vinha sofrendo dentro da UFRGS, quando a administração determinou, sem o devido processo legal, seu afastamento definitivo do quadro de servidores ativos, alegando uma suposta incapacidade permanente para o trabalho. “O que está hoje dentro da universidade é expressão de um modelo de Estado, a função da educação está sendo colocada de lado em nome de uma visão mercadológica. Repressões a servidores estão acontecendo de forma muito intensa, e vocês sabem que eu sou exemplo disso”, relatou.
Os estudantes Everaldo Santos de Oliveira Junior e Lucas Kenji Moore também denunciaram a situação dos discentes, tanto graduandos quanto pós-graduandos. “Já foram quase 50 estagiários demitidos na universidade, que decidiu do nada refazer o processo. Diversos cotistas foram desligados esse semestre, estudantes que entraram em 2018 receberam que seus documentos sequer foram avaliados”, destacou Everaldo, que integra o Movimento Correnteza. “A universidade só segue funcionando porque aulas estão remotas, porque não tem recursos mínimos”, colocou Lucas, que representou a Associação dos Pós-Graduandos.
Neste sentido, a professora Elisabete Búrigo colocou que a universidade precisaria de pelo menos mais R$ 2 bilhões para o próximo ano para seguir funcionando. O conselheiro e professor Eduardo Rolim de Oliveira também citou os cortes promovidos pelo governo Bolsonaro. “A ciência pode estar comprometida com a destruição que está acontecendo no Ministério da Educação. Precisamos defender a autonomia universitária”, apontou.
Como encaminhamentos, as deputadas determinaram que irão enviar à presidência da Assembleia uma manifestação sobre a ilegalidade da Reitoria e solicitar ao Ministério Público Federal – no qual já há uma denúncia contra o reitor – uma audiência de escuta do Conselho Universitário. As parlamentares também irão dialogar diretamente com as deputadas e deputados federais de seus partidos para encaminhar uma audiência a ser realizada também no âmbito da Câmara, em Brasília, e foi sugerida ainda a realização de uma audiência pública na própria UFRGS no próximo ano.