Luciana Genro e a professora Neiva Lazzarotto em aula pública contra os cortes da educação.
Luciana Genro e a professora Neiva Lazzarotto em aula pública contra os cortes da educação.

| Educação

Os professores e funcionários de escola foram recentemente surpreendidos com a notícia de que precisariam devolver os valores de vale-transporte recebidos nos anos de 2020 e 2021, em razão de suposto entendimento do Tribunal de Contas do Estado, chancelado pelo governo, de que não teriam se locomovido neste período. Esse novo desconto se soma a todos os recentes ataques que a categoria vem sofrendo e ao fato de sequer receberem o piso nacional da educação. A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) questionou o governador Eduardo Leite acerca da devolução dos valores e apontou a existência de jurisprudência nas cortes superiores contra a medida.

No documento enviado ao estado, em que solicita que não sejam descontados os valores do vale-transporte, Luciana Genro destaca que diversas atividades foram feitas nas escolas durante o período da pandemia, como a entrega de trabalhos impressos, e que os educadores tiveram custos extras no trabalho remoto, como internet, eletricidade e equipamentos, gastos que foram efetuados sem nenhum tipo de gratificação ou de reposição.

A deputada também embasa o pedido em argumentos jurídicos, apontando que o relator do tema do Superior Tribunal de Justiça definiu que, quando a administração pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que impede que as diferenças sejam descontadas. Ainda, o entendimento do STJ é de que os salários recebidos de forma indevida, nos casos em que o beneficiário demonstrar que não tinha como constatar a falha, não necessitam ser devolvidos.

No Dia do Professor, Luciana Genro participou de ato do Cpers cobrando reajuste salarial.

Luciana Genro solicita que o governo tome as medidas necessárias para que nenhum desconto retroativo seja efetivado e para que sejam repostos os descontos já efetivados. A deputada foi informada sobre o assunto por diversos professores, como professora Neiva Lazzarotto, vice-presidenta do PSOL-RS e diretora do 39º Núcleo do CPERS, e a professora Líbia Aquino, de Guaíba.

“Não podemos mais aceitar ataques contra os trabalhadores e trabalhadoras em educação. A categoria está sendo massacrada por Eduardo Leite”, disse a professora Neiva. O ofício da deputada ao governo foi enviado também ao CPERS, para ciência e tomada de eventuais medidas judiciais cabíveis.

Além dos constantes ataques aos professores, outro problema que tem assolado a educação pública é a precariedade em que se encontram as escolas. São diversos relatos recebidos pela deputada Luciana Genro, por parte de professores e estudantes, os quais foram compilados em um documento enviado à Secretaria Estadual de Educação, cobrando soluções para os problemas estruturais e pedagógicos. São mais de 30 escolas citadas no documento, a maioria delas aguardando obras e reparos, com problemas como falta de luz, salas interditadas, alagamentos, necessidade de obras em forros, ginásios de esportes, pátios e, em alguns casos, reformas gerais ou construções de prédios.

Embora o governo tenha anunciado recentemente investimentos na educação, trata-se de investimentos específicos para algumas escolas que não dão conta da amplitude dos problemas estruturais e não há destinação de recursos para uma melhoria na condição financeira e salarial dos professores e funcionários. “O governo ignora que não se faz educação sem os professores e trabalhadores de escolas, anunciando investimentos, mas não oferecendo uma solução para as categorias que estão totalmente desvalorizadas, com suas carreiras desmanteladas e o poder de compra corroído pela inflação e ausência de reposição salarial há sete anos”, destaca a deputada.

Além do congelamento dos salários, que já dura sete anos, professores e funcionários de escolas convivem com cortes no adicional de difícil acesso, nos dias de greve já recuperados, aumento da contribuição previdenciária e cobrança dos aposentados, além da perda de uma série de direitos adquiridos ao longo da carreira, como avanços por tempo de serviço, triênios e quinquênios. “É uma situação dramática para os servidores da educação, que não têm a menor condição de devolver dinheiro retroativamente”, acrescenta Luciana Genro.

Confira a íntegra do ofício enviado ao governo:

Porto Alegre, 26 de outubro de 2021.
Ofício n.º 158/2021-BAN
Objeto: Solicitação acerca desconto do vale-transporte dos educadores da rede pública estadual.

Exmo. Sr. Governador do Estado, Eduardo Leite:

Os diretores de escolas receberam notícia, através das Coordenadorias Regionais de Educação, de estorno a ser realizado referente aos valores de vale-transporte dos anos de 2020 e 2021, em razão de suposto entendimento do Tribunal de Contas do Estado de que os educadores não teriam se locomovido no período referido. Esta informação foi confirmada perante a Comissão de Educação desta Casa, através da assessoria da SEDUC, em 26 de outubro do corrente ano.

Em primeiro lugar, não é verdade que os educadores não se locomoveram neste período. Muitas atividades foram feitas nas escolas, inclusive a entrega de trabalhos impressos. Há que se ressaltar, também, que os trabalhadores em educação tiveram gastos extras no trabalho remoto, como internet, eletricidade e equipamentos, gastos que foram
efetuados sem nenhum tipo de gratificação ou de reposição. Além disso, vale ressaltar que trata-se de professores que sequer recebem o piso nacional da educação, instituído pela Lei Federal n° 11.738/2008, e que estão há sete anos com seus vencimentos congelados.

Do ponto de vista jurídico, cabe destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que os pagamentos indevidos a servidores públicos, decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei, estão sujeitos à devolução, a menos que o beneficiário comprove a sua
boa-fé objetiva, especialmente com a demonstração de que não tinha como constatar a falha.

O relator, ministro Benedito Gonçalves, apontou que a Primeira Seção, no julgamento do Tema 531, definiu que, quando a administração pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que impede que as diferenças sejam descontadas.

Por fim, ao fixar a tese e modular os seus efeitos, o relator também especificou que, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e com base em precedentes do próprio STJ, caso haja necessidade de devolução dos valores recebidos indevidamente, deve ser facultado ao servidor o desconto mensal em folha de 10% da remuneração,
provento ou pensão¹.

Considerando o exposto, principalmente o entendimento firmado pelo STJ, solicitamos à V. Exª que tome as medidas necessárias para que nenhum desconto retroativo seja efetivado e para que sejam repostos os descontos já efetivados
.

Informamos, ainda, que encaminhamos cópia deste ofício ao CPERS, para ciência e tomada de eventuais medidas
judiciais cabíveis.


Saudações cordiais,

Luciana Genro
Deputada Estadual


¹ https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17032021-Servidor-que-recebe-a-mais-por-erro-operacional-e-obrigado-a-devolver-diferenca–salvo-prova-de-boa-fe-.aspx