A partir de ação da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, a qual congrega sindicatos de servidores, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) emitiu liminar em que suspende o leilão da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), até então marcado para ocorrer no dia 31 de março.
A suspensão do leilão é uma vitória em favor do serviço público e leva em conta principalmente a manobra financeira do governo, que deseja repassar R$ 2,8 bilhões de dívida da CEEE-D para a holding CEEE-Par, que não possui patrimônio – o que, na prática, significa que o Estado irá perdoar a dívida bilionária, não recebendo de volta o valor. Além de deixar de receber esse valor, o Estado ainda pretende vender a companhia por um preço ínfimo, com lance inicial do leilão partindo de R$ 50.000, o que também foi citado pela desembargadora Laura Louzada Jaccottet na liminar.
Na decisão, a desembargadora aponta que “os elementos até aqui carreados deixam sérias dúvidas acerca da negociação entabulada, sobretudo no que diz com o patrimônio da CEEE-Par, controladora, de molde a solver o passivo bilionário relativo a ICMS, não se aceitando o embróglio da emissão, alocação ou dação de papeis de empresa sem patrimônio como pagamento (dação em pagamento de uma ficção). Em realidade, extrai-se uma manobra contábil para abater aproximadamente R$ 2.800.000.000,00 (dois bilhões e oitocentos milhões de reais) em dívidas fiscais com escopo de facilitar o leilão, livrando-se da CEEE-D”.
A manobra financeira destacada pela desembargadora foi denunciada pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) em vídeo publicado nas redes sociais no dia 5 de dezembro de 2020. “Esta decisão da Justiça é a comprovação jurídica do que já vínhamos alertando”, comenta Luciana.
Para o funcionário da CEEE e presidente da Associação dos Funcionários Públicos em Defesa das Estatais e do Patrimônio Público (ADEFERS), Fabrício Vilneck Cavalheiro, a decisão liminar foi uma vitória na luta contra a privatização: “Falam até sobre ser uma ficção a venda da CEEE, sobre essa questão da dívida que na verdade não é só do Estado, os municípios também perderiam dinheiro com isso. Uma venda da CEEE por 50 mil reais, imagina vender uma distribuidora por esse valor”, coloca.
A luta para impedir a venda da CEEE-D vem de longe, e a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) tem estado ao lado dos trabalhadores em diversas ações. Ainda em 2019, protocolou, com a deputada Juliana Brizola (PDT), uma ação judicial para tentar barrar a tramitação da PEC 272/2019, que retirou da Constituição Estadual a exigência de realização de plebiscito para privatizar as estatais do setor energético. A ação acabou derrotada no âmbito judiciário e legislativo, com o governo conseguindo aprovar a venda das companhias sem necessidade de plebiscito.
Já tramitam também três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) no Supremo Tribunal Federal (STF), as quais questionam a constitucionalidade das alterações legislativas promovidas pelo governo do Estado. Em 2020, Luciana Genro ainda protocolou um projeto de lei para paralisar os processos de privatização no RS até um ano após a crise causada pela pandemia do Covid-19.
Servidores da CEEE sofrem com desvalorização e retirada de direitos
Ao mesmo tempo em que o governo busca privatizar a CEEE-D, também vem retirando direitos dos servidores da companhia. “O governo suspendeu nosso acordo coletivo, não quis seguir negociando, suspendeu o vale-alimentação, que para uma grande maioria é mais até do que o que os colegas recebem líquido. O pessoal abriu mão do reajuste em muitos outros anos para receber o vale alimentação”, relata Fabrício.
O governo também vem tentando retirar a reposição do plano de saúde, do auxílio para pessoas com deficiência e o auxílio creche, segundo Fabrício. “Eles rasgaram o acordo coletivo, estão retirando as vantagens conquistadas ao longo de muitos anos. A lei que permitiu a venda atrelava a privatização à garantia de seis meses de estabilidade nos empregos, mas isso era garantido por acordo coletivo. Se não tem mais acordo coletivo, não tem mais direito aos seis meses. Tudo para poder entregar a CEEE-D de mão beijada para uma empresa que vai conseguir uma linha de crédito do BNDES”, resume.
A sensação dos servidores da CEEE é de completa falta de valorização por parte do governo e até mesmo de dignidade, conforme relata Fabrício. “No pior momento da pandemia, o governo está retirando nosso alimento e nossa saúde. Enquanto isso, a CEEE é um serviço essencial, porque imagina estar sem poder sair de casa e estar sem luz. Então nós temos que fazer ligação de energia, estamos nos expondo na pandemia, e pensando se as nossas famílias vão ter comida e se vai ter um tratamento de saúde caso alguém adoeça. É um assédio psicológico enorme”, lamenta o servidor.
Fabrício lembra do trágico caso do Amapá, onde a energia elétrica é privada e a população chegou a ficar 22 dias sem luz. Ele compara com o esforço que os trabalhadores da CEEE têm feito para lidar com situações semelhantes durante a pandemia. “Aqui em Rio Grande teve um incidente da mesma magnitude, um transformador nosso que deu problema, e no mesmo dia todos os usuários já estavam com energia. O nosso foco enquanto empresa pública é qualidade de atendimento, e a empresa privada é o lucro. E quem vai sofrer com isso é o povo, a qualidade de serviço vai cair para o povo. Mesmo a gente vestindo a camiseta, eles estão destruindo a empresa de dentro para fora”, aponta.