A campanha presidencial da Frente Ampla chilena foi liderada por uma mulher, Beatriz Sanchez, que apresenta-se como feminista. Ela quase chegou ao segundo turno, surpreendendo até mesmo seus próprios eleitores. Por 2 pontos percentuais não desbancou o candidato apoiado por Michelle Bachelet. Os deputados e deputadas eleitos são, na imensa maioria, jovens. Muitos oriundos dos movimentos estudantis que eclodiram no Chile em 2006 e 2011, em defesa de uma educação pública e gratuita. Tive a oportunidade de estar lá junto com a vereadora Fernanda Melchionna, e presenciamos um momento emocionante. Logo após a posse no parlamento todos os deputados e deputadas foram para a Praça da Vitória, no centro de Valparaíso onde se localiza o parlamento, e fizeram um juramento solene perante o povo, assinando uma carta na qual comprometem-se a legislar para o povo, em lutar pelo programa defendido por Beatriz na campanha presidencial, pelos direitos dos trabalhadores, mulheres, indígenas, idosos, jovens, e finalizam a carta pedindo ajuda ao povo, através da sua mobilização, para que estes compromissos sejam realizados.
O Chile é o mais neoliberal dos países, viveu décadas da mais longa ditadura do continente, encabeçada por Pinochet após um violento golpe militar que derrubou e matou o presidente socialista Salvador Allende. A transição veio em 1989 quando Patrício Aylwin, do Partido Democrata Cristão foi eleito pela coalizão “Concertación” que uniu o Partido Socialista, Partido Comunista, Democratas Cristão, entre outros, num pacto que garantiu a impunidade dos crimes da ditadura. A centro esquerda passou a governar, mas a constituição permanece a mesma dos tempos de Pinochet, assim como a previdência e a educação totalmente mercantilizadas. A Concertacion governou o Chile até 2010, quando Sebastian Piñera venceu, mas retomou ao governo em 2014 com a volta de Bachelet. Nesta eleição que Piñera quem retornou, a novidade foi a Frente Ampla.
Fundada em janeiro de 2017 e composta por cerca de 20 diferentes grupos políticos, a Frente Ampla foi um grande sucesso eleitoral. Elegeu uma bancada de 20 deputados e deputadas e um senador. Um dos segredos do sucesso, contam os dirigentes, foram as prévias para escolher a candidatura presidencial, durante as quais um amplo debate programático aconteceu, envolvendo filiados e não filiados nos partidos e grupos políticos que compõe a Frente Ampla. Outro elemento decisivo foi a conexão com os movimentos sociais que têm sacudido o Chile nos últimos anos, seja contra o endividamento estudantil ou a falta de uma previdência pública, entre tantas outras reivindicações. A maioria dos dirigentes e figuras públicas da Frente Ampla são jovens oriundos destas lutas que chegaram à conclusão política de que é preciso lutar por um poder popular para que as demandas sociais sejam atendidas. No debate que participei com Beatriz Sánchez e com Thomas Hirsh, eleito deputado, a insistência de ambos é na necessidade de participação do povo, organização e mobilização. Uma nova constituição que reflita as demandas sociais é um imperativo, visto que a atual é ainda herança da ditadura.
As forças políticas que compõe a FA têm matizes em relação a como lidar com o enfrentamento a Piñera, compondo mais com a “velha esquerda” ou separando-se totalmente. A campanha eleitoral, entretanto, foi um momento chave de diferenciação da herança “Bacheletista”, na qual a Frente Ampla se apresentou como um alternativa nova, sem vínculos com o passado. Em uma conversa com Constanza Schonhaut , uma jovem de menos de 30 anos, presidenta do Movimento Autonomista ( um dos componentes da FA) ela me revelou a preocupação de que esta nova experiência da esquerda chilena não resulte numa agrupação política que seja apenas “a esquerda do regime”, mas que de fato possa ser uma alternativa antissistema. De fato este é o desafio colocado para todos os novos processos políticos em curso, inclusive no PSOL.