*Artigo do jornalista Clóvis Rossi, publicado originalmente na edição desta segunda-feira (21/12) da Folha de São Paulo.
O resultado mais eloquente da eleição espanhola deste domingo, 20, remete à crise política brasileira.
Refiro-me à rachadura profunda no bipartidarismo de fato que vigorou nos quase 40 anos de democracia espanhola.
Para comprovar que houve quebra de confiança nos partidos tradicionais, com a consequente ascensão de agrupamentos novos, basta saber que o PP (Partido Popular), mesmo o mais votado, perdeu praticamente um terço das cadeiras que obtivera no pleito anterior (2011).
E o segundo grande partido (o socialista) teve o pior resultado de sua história.
Posto de outra forma: nasceu o novo, mas o velho não morreu.
É útil comparar a Espanha com o Brasil por se tratar do país desenvolvido menos distante do Brasil.
Para começar, o tamanho das duas economias não é tão diferente, embora cada espanhol seja bem mais rico que cada brasileiro.
Para continuar, ambos os países saíram de nefandas ditaduras em momentos relativamente próximos (a Espanha, em 1977, e o Brasil oito anos depois).
Por fim, as duas transições do autoritarismo para a democracia chegaram, em algum momento, a ser apontadas como modelos, especialmente para os países latino-americanos (no caso da Espanha, também para os países do Leste Europeu quando eles se livraram do comunismo).
Agora, caro leitor, veja a análise, para “El País”, do historiador Santos Juliá sobre o caminho que “conduziu ao desastre” na Espanha:
Tal caminho, “burlando a democracia, acaba construindo um sistema político sobre redes familiares e clientelísticas, sobre relações de parentesco e amizade que convertem o Estado em patrimônio de um conglomerado constituído pela classe política, pelos negócios privados e pelos interesses financeiros. Um caminho, pois, que, ao abrir as portas a uma corrupção sistêmica, acaba por erodir o Estado, desmoralizar a administração e desmantelar os bens públicos”.
Vale para a Espanha, vale para o Brasil (vale também para a Itália, em que esse conglomerado foi chamado de “a casta” por um movimento de base, o Cinco Estrelas, que também quebrou o bipartidarismo).
A diferença entre Espanha e Brasil é que a rachadura do sistema bipartidário na Espanha deu origem a movimentos de base que, pela direita (Cidadãos) e pela esquerda (Podemos), se transformaram em atores a serem levados em conta, apesar de terem disputado as suas primeiras eleições gerais apenas neste domingo.
No Brasil, as grandes manifestações de rua ocorridas em 2013 –versão tapuia dos “indignados” espanhóis que estiveram na origem do Podemos– se desfizeram sem pena nem glória.
Restou um sistema político apodrecido, em que os representados não se sentem realmente como tais e os representantes cuidam apenas e exclusivamente de seus interesses, raramente legítimos e legais.
É, como na Itália, uma “casta”, parte dela na cadeia ou sob investigação, sem que, no entanto, se esteja na alvorada de algo novo, de baixo para cima.
Consequência: a crise gerada pela “casta” será (ou não) enfrentada por ela própria, o que não é nada animador.