Artigo de Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp, na edição desta quarta-feira (09/09) da Folha de São Paulo.
“Austericidas” querem cortar direitos sociais, caros demais para um país que transfere 7% do PIB a portadores de títulos da dívida pública
Um espectro ronda o Brasil: o espectro do constitucionalismo. Surgindo como um raio, o constitucionalismo faz tremer brasileiros acostumados com os direitos sociais da Constituição Federal de 1988.
Sistema Único de Saúde, aposentadorias, benefícios sociais, regulação de condições de trabalho: os alvos prediletos do constitucionalismo estão sob fogo cerrado.
Não é a primeira vez. Desde a promulgação da Constituição cidadã, os constitucionalistas alegam a necessidade de reforma de seus exageros. Uma sociedade pobre como a brasileira não poderia se dar ao luxo de garantir atendimento universal em sistema público de saúde, mesmo que garanta a seus ricos um sistema de impostos que cobra menos deles do que dos pobres.
Curioso é que os constitucionalistas estiveram quietos nas eleições de 2014. Não nos lembrados de qualquer candidato à Presidência da República, aos governos estaduais, ao Senado, à Câmara ou às Assembleias que tenha prometido aos cidadãos o corte de direitos sociais consagrados constitucionalmente.
No máximo, os constitucionalistas de hoje vestiram ontem a camisa da austeridade. Diziam que o corte do gasto público era necessário para reverter a desaceleração da economia e retomar a confiança do empresariado.
Estes, poupadores, colocariam o dinheiro para criar empregos, em vez de ficarem paralisados pela desconfiança em um governo que não economizava impostos recolhidos preferencialmente de pobres e remediados, no montante suficiente para pagar juros de títulos públicos apropriados pelos ricos.
Pouco importa que as receitas tributárias estivessem caindo, sintoma da contração em espiral do gasto privado. Keynes e o gasto público anticíclico são antiquados no Brasil, mesmo depois de 2008.
Superavit fiscal primário a qualquer custo: eis o lema dos austeros em 2014. Embora haja hoje quase um consenso internacional, mesmo em periódicos científicos ortodoxos, de que um governo não consegue poupar mais quando uma economia caminha para a recessão ou então a aprofunda, o governo reeleito fiou-se na falta de luz dos “austericidas” –os austeros suicidas– e seguiu seu conselho.
E como o governo cortou! Investimentos caíram quase 40%; cortes nas despesas discricionárias já atingem R$ 79 bilhões, mais de um quarto delas, recorde histórico.
Mas os “austericidas” erraram: as leis da economia não foram revogadas pela fadada credibilidade. A contração fiscal reduziu receitas de empresas e de trabalhadores, que aceleraram seus próprios cortes e, surpresa, cortaram receitas tributárias do governo bem mais do que este prometera cortar em gastos.
Minha avó Oneide, doutora em economia doméstica, chamava isso de “economia burra”.
Os “austericidas” nada aprendem, apenas se transformam. Além de novos cortes discricionários, que podem ser revertidos caso um governo eleito com promessas populares resolva cumpri-las, por que não blindar os cortes na Carta? Sua solução é cortar permanentemente direitos sociais, caros demais para uma sociedade que se dá ao luxo de transferir 7% do PIB para portadores de títulos da dívida pública.
Afinal, só aqui o Banco Central reforça o suicídio provocado pela austeridade e insiste em combater uma inflação de custos (câmbio e tarifas) com mais juros, isto é, elevação de custos financeiros para governo, empresas e consumidores, mesmo diante da longa recessão à vista.
Minha avó perguntaria: não seria o caso de mudar as injustiças do sistema tributário brasileiro? Nunca, bradam os constitucionalistas: viva a credibilidade, abaixo o seguro-desemprego, a CLT, as aposentadorias e, especialmente, o SUS.