*Artigo do deputado estadual do PSOL no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, publicado na edição desta terça-feira (25/08) da Folha de São Paulo.
O jagunço Riobaldo Tatarana, numa de suas sábias divagações sobre Deus e o Diabo na terra do “Grande Sertão” de Guimarães Rosa, profetizou: “Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”.
Riobaldo se referia às muitas violências sertanejas. Mas seu aforismo, como tudo na obra-prima de Guimarães Rosa, extrapola as veredas do cangaço. Diante da agressividade da intolerância religiosa, ele é atual e irônico. Quando Jesus vier, que venha armado. Não para ferir, mas para tentar sobreviver àqueles que pregam o ódio em seu nome.
O dogma da Teologia da Intolerância é a violência, cujas principais vítimas são os seguidores de religiões afro-brasileiras. Segundo a Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro, entre julho de 2012 e dezembro de 2014, houve 948 denúncias de atos de violência e 71% dos atingidos eram da umbanda e do candomblé.
Não é só um ataque à dignidade humana, mas também ameaça à democracia e ao Estado laico. É uma estratégia de poder de grupos religioso-empresariais, que, ligados a igrejas neopentecostais, transformaram a fé em lucro e capital político. São grupos que não representam o conjunto dos protestantes.
Eles se organizam por meio do controle de estações de rádio e TV –bens públicos– e da articulação com os Poderes Legislativos, principalmente com o Congresso, sob o comando de Eduardo Cunha.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República enviada ao STF mostrou a relação clandestina entre os poderes políticos e os religiosos. Cunha teria recebido por meio de uma igreja da Assembleia de Deus R$ 250 mil como propina do esquema da Petrobras.
Na Assembleia Legislativa do Rio, a apoteose do obscurantismo foi o AI-5 religioso. O projeto, do deputado evangélico Fábio Silva (PMDB), prevê a censura, com multa de até R$ 270 mil, a manifestações políticas e culturais que satirizem religiões. A PM poderia interromper peça de teatro ou bloco de Carnaval, por exemplo. O absurdo saiu da pauta.
O teólogo Leonardo Boff me falou uma vez sobre as diferenças entre caridade e solidariedade. A caridade é uma relação vertical entre desiguais, movida pela pena. Já a solidariedade é fruto do sentimento de igualdade e empatia. Esta é a essência do cristianismo.
Os mercadores da intolerância estão muito distantes da simbologia da cruz, representação do compromisso com a dor do outro e com a justiça social. Os arautos do ódio são a coroa de espinhos, os algozes.
Riobaldo anunciou que a resposta é o amor, palavra revolucionária: “Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.