*Artigo de Bernardo Corrêa, sociólogo e presidente do PSOL de Porto Alegre
Com o anúncio do novo pacote de “investimentos” em infra-estrutura do governo federal, PIL2, fica cada vez mais evidente a captura do PT e seus aliados de turno, à receita econômica da direita e aos interesses do empresariado sino-brasileiro. Investimentos aqui devem ser entendidos como privatizações, apelidadas de parcerias público-privadas.
Na prática, o governo parte da hipótese de que é necessário assumir os riscos (por meio do financiamento público) das desventuras do capital privado. Nas palavras do todo-poderoso Joaquim Levy “A nossa estratégia é muito clara, com uma carteira específica para cada setor. Estamos desenvolvendo mecanismos claros de risco para o investidor. Boa parte da redução passa pela redução do risco regulatório. Vamos continuar trabalhando para que o risco total do projeto se reduza. É fundamental que tenhamos mais estabilidade macroeconômica e microeconômica para que se permita que os investidores se sintam seguros”.
Dessa forma, teríamos um crescimento baseado na “segurança” dos investidores privados para, num futuro longínquo, buscar ter políticas de redução da desigualdade social. Dos 198,4 bilhões previstos em investimentos, 69,2 bilhões de reais devem ser realizados entre 2015 e 2018 e os outros 129,2 bilhões a partir de 2019. Com sorte, feliz 2020!
Três questões são chave:
1) o crescimento do capital privado por meio da redução do “risco regulatório”, combinado ao incremento do sistema da dívida pública (alta dos juros e aumento superávit primário) são os mecanismos mais estruturantes da desigualdade social, pois ele pressupõe relações salariais precárias, endividamento das famílias e redução de gastos públicos nas áreas sociais;
2) a composição dos “investimentos” tendo as ferrovias e rodovias como carro-chefe (R$ 152,5 bilhões somadas, 76,9% do total) responde às necessidades do capital exportador de commodities aumentando as divisas em dólar e dificultando o desenvolvimento da indústria, o que aprofunda a dependência do Brasil aos países centrais. Por outro lado, há uma aposta de que o mercado financeiro absorva a demanda por dinheiro, já que o BNDES financiará menos do que os projetos anteriores (“apenas” 70%), e as empresas deverão alavancar o volume de recursos emitindo títulos de dívidas (debêntures), o que alimenta ainda mais o poder do capital financeiro, o verdadeiro responsável pela crise;
3) por fim, também responde aos interesses subimperialistas das burguesias chinesa e brasileira. A ferrovia bioceânica que é o principal projeto do pacote, levando R$ 40 bilhões de investimento, passará pelos estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Goiás, os dois últimos celeiros do agrobusiness (especialmente da soja) e os dois primeiros fronteiriços com Peru e Bolívia, países já bastante subjugados pelos nosso interesses “nacionais” e menina dos olhos dos chineses, pois são países riquíssimos em minérios.
Ou seja, o pacote que pretende salvar a economia, nada mais é do que a produção de mais desigualdade e dependência, as verdadeiras raízes de sua crise.
Rebatendo as críticas de que o governo ajusta apenas os salários e os direitos dos de baixo, enriquecendo os de cima, a resposta de Nelson Barbosa (ministro do Planejamento do governo Dilma) foi: “É o momento de construirmos as bases para o novo momento com ampliação dos ganhos sociais e para o ganho na produtividade. Com isso, poderemos crescer mais e aumentar a distribuição de renda”.
Qualquer semelhança com a famosa frase de Delfim Neto “crescer o bolo para depois dividir”, não é mera coincidência. A tese do crescimento como redutor da desigualdade já foi mil vezes derrubada, mas o governo seguirá insistindo em enxugar o gelo. “Não faltará dinheiro” para este pacote, faltará para a saúde, educação… e todas aquelas coisas que eles só lembram em época de eleição.