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Israel Dutra

Estive em Lima, a convite dos camaradas do COEN (Comando estudantil dos Estudantes Nacionalistas) do PNP, para acompanhar a posse do presidente e participar do Encontro Nacional de Estudantes, nos últimos dias do mês de Julho.

Encontrei um clima de esperança sem precedentes. A festa que o povo de todo país- originários, trabalhadores, camponeses, da serra, do sul, da costa, da selva- realizava nas ruas de Lima foi inesquecível. Muitas comunidades vestidas com seus trajes típicos, com danças, alegorias, ritos e cantos para afirmar sua vitória neste processo. A posse do novo presidente, Ollanta Humala, após significativa vitória diante da herdeira da família Fujimori, não representa o fim, senão apenas o começo de um novo ciclo da luta política no Peru. Acompanhar de perto este processo é dever de todo internacionalista. Estamos diante de profundas transformações.

Um triunfo histórico do povo peruano

A vitória de Ollanta e de seu partido, o PNP (Partido Nacionalista Peruano) acontece num rico contexto. Como afirma o companheiro Tito Prado, dirigente da esquerda peruana:

“O resultado eleitoral do 5 de junho abre um novo capítulo na história do Peru. Pela primeira vez chega ao governo um candidato que conta com o apoio do povo e da esquerda pra fazer a grande transformação que rompa com a corrupção, o entreguismo e a exclusão social. Estamos ante a possibilidade de uma grande mudança que teria repercussões em todo o nosso continente”.

Não é exagero afirmar o caráter histórico do triunfo eleitoral de Ollanta. Vale lembrar que o Peru foi o último país do continente a conhecer uma ditadura, após anos de guerra civil intensa, com Fujimori, até 2000. A derrota da ditadura, forjada nas ruas, foi sucedida por dois governos neoliberais, Toledo e Alan Garcia. A eleição de 2011 foi polarizada pela campanha dos fujimoristas, que se expressaram na candidatura de Keiko, filha do ditador, e pela campanha de Ollanta, representando os anseios de um país marcado por conflitos e lutas sociais.

Antes mesmo do período eleitoral, se avizinhava um forte embate. Grandes lutas contra a espoliação do solo peruano por parte de várias multinacionais da mineração; nos últimos anos eclodiram insurreições locais em importantes cidades como Moquecqua, Bagua e Juliaca. O povo votou contra o projeto neoliberal do governo Alan Garcia e contra o retrocesso conservador. A campanha de Ollanta, ainda que tenha adotado um tom conciliador, foi o instrumento que milhões de peruanos utilizaram para derrotar o neoliberalismo nas ruas e nas urnas.

Um Lulismo Peruano?

A direção do PNP e da coalizão de Ollanta, Gana Peru, fez questão de diferenciar-se do projeto “radical” de Chavez e Morales. Na eleição de 2006, Ollanta foi identificado com o projeto bolivariano, sendo atacado pelos setores mais reacionários da mídia e do empresariado. Na eleição de 2011, afastando-se desta imagem, Ollanta contou com a direção de dois assessores “especiais”. Enviados pela direção do PT e pelo Fórum de São Paulo, Luis Favre e Valter Pomar, dirigentes da esquerda reformista brasileira montaram uma estratégia de conciliação, copiando a fórmula do lulismo.

A aposta na concertação foi ofertada como a tática vitoriosa. O Peru, contudo, não é o Brasil. Nem estrutural nem conjunturalmente. O nível de desenvolvimento industrial brasileiro é muito superior. E mais, o Brasil cumpre o papel de sub-imperialismo em relação ao Peru e outras nações do continente. De outra parte, o “pacto social” vai chocar-se com a conjuntura polarizada que vive o Peru.

O governo de Ollanta vai encarar estas e outras contradições. A mais evidente, por agora, é a combinação da realização das demandas mais urgentes do povo (aumento do salário mínimo, reforma no modelo de aposentadorias, imposto sobre as empresas mineradoras) e a convocação de uma Assembleia Constituinte soberana. Esta pauta está unificando o movimento social peruano.

A batalha da Constituinte

No dia de sua posse, Ollanta quebrou o protocolo, ao não jurar pela Constituição em vigor no país. Esse fato causou polêmica. A atual Constituição foi aprovada em 1993, no auge dos anos Fujimori, tocada pelo processo de guerra interna, com medidas altamente repressivas. Uma constituição de caráter neoliberal. O presidente Humala tomou posse reivindicando a Constituição anterior, de 1979. Como fruto desta atitude inesperada, a bancada da oposição de direita fez um verdadeiro escândalo. A mídia repercutiu a discussão.

A posse alenta ainda mais o eixo da campanha pela Constituinte como forma de discutir as demandas reprimidas do povo peruano. Os passos de Ollanta na direção de uma linha conciliatória são problemáticos, um obstáculo para a realização de um processo constituinte soberano.

O “nó” da constituinte é fundamental para apostarmos numa etapa superior para a luta do movimento de massas no Peru. A ala combativa da juventude votou no seu encontro que a campanha prioritária dos próximos meses será a luta pelas assinaturas necessárias para a realização de um referendo nacional para decidir pela convocação da nova Assembleia Nacional Constituinte.

A oposição de direita já está em pé de guerra para defender a Carta Fujimorista. Porém, não é apenas fora do governo que a direita atua. Os setores mais conservadores que são parte da coalizão Ganha Peru já se preparam para entrar em campo, sempre alegando que não existe “correlação de forças”. Na verdade, a estratégia de um “lulismo peruano” é evitar a radicalização dos conflitos, não dando nenhuma margem para o protagonismo popular.

A combativa juventude

O encontro da juventude, organizado pelo COEN, refletiu esse processo. As principais entidades combativas do movimento estudantil estavam presentes, discutindo democraticamente seu plano de ação e lutas políticas. Com mais de 300 delegados das várias cidades do Peru, como Tacna, Arequipa, Moqcegua, Hauna, Lima, Juliaca, Cusco,

Tumbes, Lambayeque, Ancash, Huaraz, Huánuco, Cerro de Pasco, entre outras.

As mesas foram politizadas, como parte da vasta cultura militante que a vanguarda peruana conserva. Na mesa sobre situação internacional, dividi o informe com companheiros de outros países. Martin Torres do MST da Argentina informou sobre o Movimento Projeto Sul de Pino Solanas. Miguel Oros, candidato que obteve quase 30 mil votos pela juventude do PNP discorreu sobre a importância das lutas anticapitalistas. Estiveram presentes também Victor, peruano residente na Venezuela e um companheiro boliviano. Na parte da tarde, os debates foram sobre situação nacional, onde Tito Prado fez uso da palavra para discutir os rumos do processo aberto com a eleição do PNP. Logo após, noite adentro, foram discutidos temas concernentes a pauta educacional.

Ao final, num clima de esperança, se votaram democraticamente resoluções, onde o eixo foi a já citada campanha pelo referendo em torno da Assembleia Constituinte.

América Latina em movimento

O processo “bolivariano”, expressão das grandes rebeliões antineoliberais do começo dos anos 2000 segue num momento de estagnação. Os grandes embates da luta de classes tiveram seu epicentro recente no norte da África e na Europa Mediterrânea. As dificuldades econômicas, a consolidação do social-liberalismo como motor do projeto sub-imperialista do Brasil, as limitações políticas das direções dos países independentes; todos estes fatores somam para esta “paralisia” nos processos de mudança.

Há, contudo, novos elementos que podem ajudar a dinamizar a conjuntura continental. Ainda que por agora a tendência seja seguir a “estagnação relativa”, se pode notar que o pêndulo gira à esquerda em dois importantes países: Peru e Chile.

Por conta do processo político, o Peru está ingressando numa nova fase de sua luta social. No Chile se abre uma conjuntura imprevisível, marcada pela irrupção dos estudantes, pelas greves mineiras e pela baixa popularidade do governo Piñera.

Ainda é muito cedo para avaliarmos como os outros países vão reagir ao novo contexto mundial. Neste quadro, os desdobramentos no Brasil são estratégicos, decisivos. O comportamento do quadro político e social de nosso país pode alterar o panorama geral da América Latina.

O desafio é construir uma esquerda social e política, ampla e comprometida com a mudança. Esta luta, por fora dos aparatos corrompidos do Fórum de São Paulo e do social-liberalismo, transborda as fronteiras nacionais. A esquerda no Peru tem grande tradição marxista, com nomes como Hugo Blanco, Ricardo Napuri, Guillermo Serpa e o próprio Tito Prado. Os passos que a esquerda peruana ensaia neste momento são fundamentais, em tempos de mudança e novas necessidades históricas.

Israel Dutra é da Direção Nacional do PSOL