Luciana Genro: “Quero concorrer a vereadora em 2012”
Igor Natusch
As regras de proporcionalidade fizeram pelo menos uma grande vítima na votação de 3 de outubro. Luciana Genro (PSol), deputada federal concorrendo à reeleição, alcançou quase 130 mil votos, a oitava maior votação para a Câmara Federal no Rio Grande do Sul. Apenas em Porto Alegre, foram mais de 60 mil – a segunda maior votação no município, perdendo apenas para Manuela D’Ávila (PCdoB). Mesmo com tanto respaldo, ela não conseguiu se reeleger. Como o partido não alcançou os cerca de 200 mil votos necessários para cumprir as regras de proporcionalidade, Luciana ficou de fora, cedendo vaga para vários candidatos com votação inferior à sua. Essa decepção acaba se misturando com a do próprio PSol, que perdeu espaço em nível estadual e nacional. E não é tudo: como o seu pai, Tarso Genro, foi eleito governador gaúcho, Luciana é considerada inelegível, nos próximos quatro anos, para cargos eletivos que se relacionem com o executivo estadual – poderia, em tese, concorrer apenas à Presidência da República.
Mesmo em meio a essa turbulência, Luciana Genro recebeu a reportagem do Sul21 com simplicidade e simpatia, na sede do PSol em Porto Alegre. De forma tranquila, mas firme, abordou todas as questões que envolvem o complicado momento político dela e de seu partido. Demonstrando confiança no papel do PSol como representante da esquerda socialista, Luciana Genro falou da posição que o partido tomará nos próximos anos, mesmo com o encolhimento que sofreu nessas eleições. E deixa claro: quer reverter a situação de inelegibilidade e ser vereadora de Porto Alegre em 2012.
Sul21 – Tu tiveste uma grande votação para deputada federal nas eleições de 3 de outubro, sendo a oitava candidata mais votada no estado. Porém, mesmo com essa votação, não conseguiste vaga na Câmara, devido às regras de proporcionalidade. Como vives essa frustração?
Luciana Genro – O sistema eleitoral é muito distorcido. Os eleitores pensam que estão votando em uma pessoa, mas na realidade estão votando em um partido, em uma coligação. Então acontecem fenômenos como o do Tiririca em São Paulo, que recebeu mais de um milhão de votos e carregou com ele mais três deputados, todos com baixa votação individual. Aqui no Rio Grande do Sul, temos um deputado (Alexandre Roso, do PCdoB) que foi eleito com 28 mil votos. Eu, com 130 mil, não consegui. Então, a gente sabia dessa necessidade de conseguir o coeficiente mínimo de quase 200 mil votos, era a regra do jogo, embora ela tenha nos prejudicado aqui no estado. Eu teria uma vaga, se não houvesse a necessidade de um coeficiente mínimo para o meu partido. Eu acho que isso tudo remete a uma reflexão sobre a necessidade de repensar toda a fórmula de votação. Também remete a uma discussão sobre voto em lista ou voto individualizado. Eu particularmente acho que a melhor fórmula seria de voto em lista, porque aí a pessoa sabe que está votando em um partido, diferente de hoje, que ela vota em um partido, mas não sabe disso. Mas, ao mesmo tempo, um sistema em que o eleitor possa mexer na ordem da lista, para não dar tanto poder às cúpulas partidárias. Tu votas na lista, e então tens também a opção de votar em alguém dentro da lista, que tu queira puxar para cima na lista partidária.
Sul21 – Então, podemos dizer que esse sistema atual, de certo modo, engana o eleitor?
Luciana – Engana o eleitor, e por isso gera resultados distorcidos como esse. O eleitor pensa que vota em uma pessoa, mas ele votou em uma lista partidária, em uma coligação. E os votos dele não vão só para aquela pessoa, acabam indo para toda a coligação. Outra alternativa para superar isso seria que o voto pessoal fosse apenas para a pessoa, e o voto de legenda sim ajudasse o conjunto da sigla a disputar mais cadeiras. Isso tudo é um debate. De qualquer modo, acho que a minha votação foi muito expressiva, estou muito orgulhosa dela, e isso me incentiva a continuar lutando. Eu fui a segunda candidata mais votada em Porto Alegre. Então, eu vou lutar contra essa tese da inelegibilidade, tenho certeza que é possível vencer e pretendo disputar a eleição em 2012.
Sul21 – De qualquer modo, nessa eleição tu recebeste 129.501 votos. Na anterior, em 2006, foram 185.071. Ou seja, tu perdeste mais de 50 mil votos na eleição de 3 de outubro. Ao que atribuis essa queda?
Luciana – Eu vejo que 2006 teve uma particularidade muito grande, que foi um enorme desgaste do PT, já que o mensalão recém tinha acontecido. Nessa eleição (de 2010), o PT estava fortíssimo aqui no Rio Grande do Sul, tanto que elegeu Tarso no primeiro turno. Por outro lado, em 2006 nós tivemos a Heloísa Helena como candidata à presidência. E todo mundo sabe que o candidato a presidente ajuda a puxar votos para a legenda. O PSol, como conjunto, foi prejudicado pela ausência da Heloísa na disputa presidencial. A Heloísa fez 7% dos votos em 2006, e agora tivemos o Plínio (de Arruda Sampaio), que fez menos de 1%.
Sul21 – Então, é possível dizer que Plínio para Presidente foi uma escolha equivocada?
Luciana – Eu não diria que a escolha foi equivocada, porque a decisão da Heloísa não concorrer à presidência foi, em primeiro lugar, uma iniciativa dela. Ela quis disputar uma cadeira no Senado, e nós nos sentimos na obrigação de apoiá-la nessa pretensão. Afinal de contas, ela já tinha feito um sacrifício em 2006, para ajudar a construir o partido em sua primeira disputa eleitoral. E achamos que ela tinha o direito de tentar reaver o seu mandato de senadora (por Alagoas). Ela estava em primeiro lugar nas pesquisas, mas acabou perdendo, o que também foi um desastre para o PSol. Essa derrota foi fruto de uma conspiração que envolveu Renan Calheiros, Collor, o PP e o PT. Foi um grande esforço para tirar a vaga dela, e mesmo assim ela teve mais de 400 mil votos, foi a terceira mais votada. O Plínio representou nosso partido com muita dignidade. Mas evidentemente que não tem – e ninguém esperava que tivesse – a força que tinha a Heloísa Helena. Isso teve consequências para o PSol, em todas as esferas. Ainda assim, nós conseguimos eleger dois senadores, um no Amapá (Randolfe Rodrigues) e outro no Pará (Marinor Brito), e conseguimos manter a bancada de três deputados, o que é fundamental para ter direto a participar dos debates eleitorais e a ter estrutura de bancada dentro da Câmara Federal.
Sul21 – Existe a opinião de que o PSsol cometeu erros estratégicos na campanha deste ano, entre eles o fato de não ter feito coligações…
Luciana – Essa questão (das coligações) é muito importante. Acho ótimo que a gente possa debater sobre isso. O PSol não tem uma definição a priori contra coligações, e contra alianças de uma forma geral. Nós tentamos fazer uma aliança com a Marina (Silva, candidata do PV à Presidência), tentamos apoiar a Marina em nível nacional. Desistimos dessa pretensão quando o PV se uniu ao PSDB e ao DEM no Rio de Janeiro. Nessas circunstâncias, apoiar Marina seria enterrar o partido no RJ, além de desmoralizá-lo no país inteiro. Nós não fazemos alianças a qualquer preço. Nós entendemos que as coligações feitas simplesmente para obter coeficiente eleitoral, simplesmente para ter mais chances em uma eleição, acabam levando o partido a uma degeneração. Foi o que aconteceu com o PT. O PT se uniu com Collor, se uniu com Sarney, com o Jader Barbalho, com o partido do Paulo Maluf (PP), com as figuras mais podres da República nos diferentes estados. E isso para ter mais chances eleitorais, seja em nível estadual, seja em nível federal. No meu entendimento, isso degrada a política. E o PSol quer mostrar que é possível fazer política de outra forma, sem se vender, sem mudar de lado, sem ceder a essas tentações do balcão de negócios da política. Então, tu pode me perguntar: “mas vocês não querem chegar ao poder? Vocês querem apenas marcar posição?” Nós queremos chegar ao poder, mas com as forças políticas que nos possibilitem fazer as mudanças que nós acreditamos que devem ser feitas. Não adianta nada o PSol ganhar as eleições amarrado em uma coligação que não vai nos permitir enfrentar o capital financeiro, enfrentar os bancos, enfrentar o latifúndio… Fazer as mudanças que são necessárias em favor do povo. A gente acredita que é necessário acumular forças, mantendo a coerência e buscando alianças que estejam dentro dessa coerência, para ganhar eleições, eleger deputados e quem sabe ganhar a Presidência da República. Mas sempre assegurando as condições políticas para fazer o que nós acreditamos que seja necessário.
Sul21 – O PSol se posiciona como uma oposição à esquerda do PT. Mas há indicativos de que a proposta do PT tem uma aceitação muito alta, como a eleição de Tarso Genro no RS, e a boa votação de Dilma – que, mesmo não tendo garantido a eleição dela em primeiro turno, foi muito significativa para alguém que concorre pela primeira vez a um cargo eletivo dessa magnitude. Como manter esse posicionamento de questionamento ao PT, em um momento no qual as críticas acabam tendo pouco apelo junto ao eleitor?
Luciana – Quando o Fernando Henrique Cardoso ganhou em primeiro turno em 1998, o PT poderia imaginar que tinha que aderir ao governo do PSDB. Inclusive, alguns setores do PT defenderam isso. Mas o PT só sobreviveu, e se viabilizou como alternativa de poder, porque não aderiu ao FHC, não cedeu à tentação de ir atrás de quem tinha mais votos. Evidente que hoje nós temos uma situação no Brasil onde há, inegavelmente, um desenvolvimento capitalista. Esse desenvolvimento tem distribuído algumas sobras para os setores médios e para as camadas mais pobres da população. Digo sobras porque quem realmente está ganhando muito dinheiro é o capital financeiro, os bancos e as grandes empresas. Para a população, tem sobrado alguma coisa, tanto que há uma sensação de prosperidade. Também pelo programa Bolsa Família, que é correto. Não sou contra o Bolsa Família, acho que temos que distribuir renda aos mais pobres. Mas ele acaba se convertendo em um elemento de chantagem política, porque aquele pobre que recebe Bolsa Família identifica um salvador no governo que o concedeu. Ao mesmo tempo, não há uma política de desenvolvimento que possibilite a essas pessoas que recebem Bolsa Família sair dessa condição de pobreza absoluta. Bolsa Família não tira famílias da pobreza absoluta, tira famílias da possibilidade de morrer de fome. Nós, socialistas, não nos contentamos com Bolsa Família, porque não resolve a questão. Então, há esse momento de desenvolvimento capitalista, há esse momento de ilusão de prosperidade, mas eu vejo, lamentavelmente, que essa situação não vai durar muito. Porque a crise capitalista mundial segue, o problema que aconteceu nos Estados Unidos não terminou.
Sul21 – Então, tu acreditas que o PSol pode crescer, na medida em que esses problemas se manifestem de maneira mais clara junto à população.
Luciana – Na verdade, os problemas da população seguem existindo. Não há uma efetiva distribuição de renda, não há melhora efetiva nos salários ou nas aposentadorias. Os aposentados, por exemplo, estão insatisfeitíssimos com o governo Lula. Então, lutas e demandas sociais vão continuar existindo. E a Dilma (Rousseff, candidata do PT à Presidência), não terá, caso ganhe a eleição – porque eu não acho que seja uma coisa garantida – o mesmo poder que o Lula teve para contenção dos movimentos sociais e cooptação do movimento sindical. Vale dizer também que a oposição mais visível ao governo Lula é de direita. Então, de forma correta, as pessoas se agarram ao PT porque não querem o retrocesso que significaria a vitória do PSDB e do DEM. E aqui no RS, o PSol foi o maior responsável pela derrota da Yeda. Mas, como ela não caiu por força do impeachment e sobreveio as eleições, quem capitalizou eleitoralmente essa derrota de Yeda foi o PT. Porque o PSol, pelo seu tamanho e pela sua estrutura, não conseguiu ainda se constituir como uma alternativa de poder. O povo é prático, ele enxerga quem é que tem condições, de fato, de derrotar o mal maior. Entendemos e aceitamos essa situação, mas não sucumbimos a ela, nos tornando um braço do PT. Cabe a nós (PSol) seguir acumulando forças nesse processo, e o espaço para a esquerda socialista, embora ainda seja pequeno, tende a aumentar no futuro. Nós queremos ser uma alternativa ao PT pela esquerda. Seguimos o nosso caminho, com as dificuldades que temos hoje diante desse cenário adverso, mas com a certeza de que o futuro pertence à esquerda socialista.
Sul21 – Qual será a posição do PSol com relação ao segundo turno presidencial?
Luciana – O PSol está discutindo. Evidentemente que um apoio ao (candidato do PSDB, José) Serra é completamente descartado, mas ainda vamos discutir entre a neutralidade, a liberação do voto dos militantes e dos dirigentes, ou um apoio crítico a Dilma. Eu acho muito difícil que o partido opte pelo apoio crítico como posição partidária. Acredito que haverá uma liberação para que cada dirigente abra seu voto, se posicione publicamente ou não, de acordo com a sua vontade e a sua leitura do nosso momento político. Eu, particularmente, não tenho nenhuma vontade de votar na Dilma, embora saiba que o Serra seria muito pior do que ela. Eu sei que, vencendo Dilma ou vencendo Serra, o capital financeiro e os bancos seguirão lucrando como nunca e serão os grandes vencedores desse processo eleitoral. Acho que o partido precisa manter a independência para encabeçar essas lutas que virão ao longo dos próximos quatro anos, independente de quem seja eleito.
Sul21 – E no Rio Grande do Sul?
Luciana – Vai ser o mesmo que foi no governo do Lula. Eu, como deputada federal, fui uma crítica ácida do governo no que ele teve de ruim, mas também votei favoravelmente àquilo que ele apresentou de positivo. Por exemplo, e casualmente, duas propostas encaminhadas ao Congresso pelo Tarso: uma como Ministro da Educação, que foi o Prouni, e outra como Ministro da Justiça, que foi o Pronasci. O PSol votou a favor dessas propostas, tanto na Câmara quanto no Senado. Então, a nossa postura vai ser nessa linha. Não queremos participar do governo (de Tarso), não queremos cargos em hipótese alguma. Vamos adotar uma postura de independência e vamos criticar o que for necessário, apoiar o que for bom, e ser um porta-voz das necessidades do povo. Porque o PSol não é um partido que se move apenas a partir do parlamento. Agora, sem deputados, menos ainda. Vamos estar inseridos, como sempre estivemos, nos movimentos sociais, no movimento estudantil, no movimento sindical e em todos os movimentos populares. E ser porta-voz das demandas que surgirem a partir desse contato, exigindo que o governo tome medidas que realmente atendam os interesses do povo.
Sul21 – Nesse momento, tu estás inelegível. Como és filha do governador eleito, não podes concorrer a nenhum outro cargo eletivo, apenas à Presidência da República. Como vais lidar com essa situação?
Luciana – Estou muito otimista com relação a isso. Tenho um advogado, que é o Dr. Antônio Augusto Mayer dos Santos, um dos maiores especialistas em direito eleitoral do Rio Grande do Sul, e ele está muito convicto de que conseguiremos derrubar essa inelegibilidade. Porque o meu caso, na verdade, é muito particular. Eu tenho 16 anos de mandato, tenho uma vida política anterior à chegada do meu pai ao governo do estado, e sou de um partido que não pertence ao arco de alianças do partido do meu pai. Ao contrário, eu construí o PSol com muito esforço, junto com a Heloísa Helena, com o Roberto Robaina (candidato não-eleito a deputado estadual no RS) e várias outras pessoas. Estamos muito confiantes de que conseguiremos derrubar essa proibição, e que eu poderei disputar uma cadeira de vereadora em Porto Alegre. Prefeitura seria mais difícil, por ser um poder executivo que se relaciona diretamente com o governo do estado. Mas o poder legislativo municipal é um poder totalmente independente e desvinculado, sem relações diretas com o executivo estadual.
Sul21 – Então, tu estás disposta a concorrer como vereadora em 2012?
Luciana – Sim, estou lutando justamente para concorrer a vereadora. Essa é a minha briga. Vou constituir um movimento político de apoio a meu direito de disputar a eleição, buscando apoio de juristas e de políticos dos mais diversos partidos. Eu tenho recebido telefonemas e mensagens de pessoas ligadas a todos os partidos, desde o vice-governador Paulo Feijó (DEM), passando por Germano Rigotto (PMDB), Henrique Fontana (PT), o Geraldo da Camino do Tribunal de Contas do Estado… Gente de todas as esferas tem me oferecido apoio e solidariedade, no sentido de que eu não posso ter minha trajetória política ceifada pelo fato de ter meu pai sido eleito governador. Isso sem contar a votação que recebi em Porto Alegre, a segunda maior votação para deputado federal da capital. Tenho um compromisso com essas pessoas que depositam sua confiança em mim, que dão apoio a tudo que defendo. Tenho o respaldo dessas pessoas, e quero ter a oportunidade de seguir trabalhando em nome de todas elas.