Ruas questionará a dívida do Estado com a União
João Egydio Gamboa, Gisele Ortolan e Samir de Oli
O candidato do P-Sol ao Palácio Piratini, Pedro Ruas, avalia que deixou “uma eleição certa para a Assembleia Legislativa” para encarar o desafio de disputar o governo do Estado em favor do projeto de construção do seu partido. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ruas destaca as duas bandeiras que têm pautado sua campanha: o combate à corrupção e a revisão da dívida de R$ 40 bilhões do Estado com a União. No primeiro caso, sugere o corte imediato de 50% dos cargos em comissão (CCs) e a criação de uma corregedoria com status de secretaria estadual, para aumentar o poder de fiscalização do Estado sobre ele mesmo. Quanto à dívida, propõe a suspensão do pagamento até a comprovação dos débitos.
Jornal do Comércio – Os três pilares do serviço público – saúde, segurança e educação – exigem muito dinheiro. Como contemplar essas áreas oferecendo serviços de qualidade?
Pedro Ruas – Só dois eixos orientam todos os demais itens de nosso programa. O primeiro é o combate à corrupção. Nos governos em que há corrupção, até 30% do orçamento é perdido. O segundo ponto é a dívida estadual. Dados da FEE e do Dieese mostram que, em 1990, a dívida com a União era de R$ 4,8 bilhões. Em 1998, quando (o então governador) Antônio Britto (PMDB) fez o acordo que está valendo, (do repasse) de 18% da receita líquida para (pagar) a dívida, ela era de R$ 13,4 bilhões. Em 2009, chegou a R$ 39 bilhões e hoje passa dos R$ 40 bilhões. Como, se ela vem sendo paga? Não é possível. Em 2008, foram pagos R$ 2,1 bilhões, o que equivale à construção de 42 hospitais da Restinga, mais 400 escolas de turno integral ao ano. O que é a dívida? Ninguém sabe. Um governante responsável suspenderia o pagamento imediatamente e faria uma auditoria.
JC – Como o senhor acha que o governo federal receberia essa medida?
Ruas – Mal, mas azar do governo federal. Precisamos de três medidas neste caso. As políticas compreendem a suspensão do pagamento e a auditoria. Não é calote. É um direito saber o que está sendo pago. Até se admite que o governo federal não se preocupe com o conteúdo do que recebe, mas quem paga tem que saber. Isso nos custa a falta de serviços públicos, de oportunidades às nossas crianças, a mortalidade infantil, os péssimos salários do funcionalismo, caso da Brigada Militar e do magistério. Aliás, é uma vergonha para um Estado esta Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando o piso nacional. Tem que desistir dessa ação, pois agride o magistério e a educação.
JC – Outra questão a ser resolvida é o gasto com servidores inativos. Qual o seu plano para a Previdência?
Ruas – Estão transformando uma coisa boa num problema. O que é uma coisa boa? Uma expectativa de vida maior. Isso traz reflexos na Previdência. Querem nivelar por baixo. Sou advogado trabalhista e sei que na reforma da Previdência – que deu um limite de até 10 salários-mínimos, independentemente do que se recolhe a cada mês durante a vida – pretendem trazer esse modelo para a área do serviço público. O que chamo de nivelar por baixo. É claro que hoje é melhor ser servidor público do que privado pela aposentadoria. Mas tem que nivelar por cima, dar condições de o privado ter aposentadoria integral que o público tem. Isso tem que ser uma conquista dos trabalhadores. Aposentadoria nos níveis da ativa. Não se pode temer a aposentadoria, temer pela sobrevivência. Sabemos que as pessoas se aposentam e precisam continuar trabalhando. E não é por opção, é porque precisam comer, comprar remédio.
JC – Na propaganda eleitoral o P-Sol se coloca como “partido de esquerda”. Algum outro tem bandeiras da esquerda?
Ruas – Quem assume o socialismo é o P-Sol. E não buscamos votos na direita e no centro, buscamos na esquerda. Não vamos fazer um discurso incoerente com a nossa prática política. Veja as alianças partidárias. Os partidos grandes estão sob a liderança de José Fogaça (PMDB), Tarso Genro (PT) e Yeda Crusius (PSDB) e disputam os mesmos aliados. Suas alianças não têm critério ideológico, nem afinidade política.
JC – Por quê?
Ruas – Eles objetivam tempo de televisão e rádio e apoio empresarial. Oferecem em troca órgãos e cargos do governo. Por que questionamos isso? Pois é este o ovo da serpente, a raiz do mal, o cerne da futura corrupção de governos. Os casos nacionais de corrupção – veja os Correios – e estaduais (como o Detran) ou municipal – na Secretaria da Saúde de Porto Alegre – são frutos do loteamento pré-eleitoral.
JC – A política de alianças tem relação com o sistema político, que exige coalizões para governar.
Ruas – Precisamos questionar isso e denunciar. Os mesmos métodos levam aos mesmos resultados, está comprovado. As alianças sem critério apenas por tempo de televisão e rádio vão desembocar em cargos em órgãos do governo. Este é um problema sério. Propomos a diminuição de pelo menos 50% dos CCs.
JC – Qual será o critério para a diminuição dos CCs?
Ruas – Será do grande ao pequeno, em qualquer órgão de governo, inclusive do gabinete do governador. CCs são uma mistura explosiva. Não prestam conta ao governo, mas ao partido, e esta não é uma forma adequada de governar.
JC – E além dos CCs?
Ruas – Devemos ter uma corregedoria interna. Tomemos o exemplo dos cursos-fantasmas. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) vai verificar se existiu o curso, se o vereador foi, se frequentou o curso, se ganhou diárias e acabou, não tem mais o que fazer. Uma corregedoria pode fazer a seguinte pergunta: “Por que o curso é em Assunção e não em Viamão, em Porto Alegre?”. Um órgão externo não tem esse poder de avaliação subjetiva de uma corregedoria. Os outros órgãos só podem olhar a forma.
JC – A corregedoria teria status de secretaria?
Ruas – De primeiro escalão. E não é nada de Secretaria de Transparência, que é normalmente demagogia. A corregedoria perpassaria os órgãos de primeiro escalão do Executivo.
JC – E que papel teria a Cage (Contadoria e Auditoria Geral do Estado)?
Ruas – Representa o Tribunal de Contas no governo. Não estou descartando nenhum órgão. Ao contrário. Estou dizendo que com o que tem não é suficiente. A Agergs, por exemplo, em 2007, na CPI dos Pedágios concluiu que não fiscalizava preços, a qualidade do serviço e que perseguiu uma servidora de carreira que denunciou irregularidades. Precisa ser repensada, para que esteja subordinada aos interesses populares e não aos empresariais. O que a sociedade quer no caso das estradas? O óbvio.
JC – O excesso de burocracia na fiscalização atrapalha?
Ruas – O serviço público deve ter alguma burocracia, no sentido original da expressão, não no moderno de demora das coisas. O governo é um agente do Estado a favor da maioria. Por exemplo, na agricultura, o Estado tradicionalmente beneficia o latifúndio, que leva ao agrobusinness. É bom para algumas famílias, para números de PIB, mas não é bom para o Estado, pois o que produzem basicamente é monocultura para a exportação. O que consumimos internamente vem da pequena propriedade, de agricultura familiar. Vejo os candidatos dizendo que vão ajudar os dois, a pequena e a grande. É demagogia. Não há como auxiliar as duas. A grande só existe porque oprime a pequena. O governo federal deve fazer uma reforma agrária ampla, mas algumas medidas cabem ao Estado.
JC – Políticas específicas.
Ruas – Sim. A monocultura do eucalipto é um desastre, destrói, leva à desertificação. No curto prazo, talvez gere algum emprego. Mas não compensa. A agricultura familiar gera mais, é diversificada. É preciso desapropriar o latifúndio improdutivo e até do produtivo, se a produção prejudicar o meio ambiente.
JC – Haveria reação negativa na sociedade, principalmente na Metade Sul.
Ruas – Por falta de oportunidade. O Estado é regionalizado e temos que identificar os potenciais no setor primário, indústria e serviços e trabalhá-los adequadamente. Não se pode ficar na expectativa de que uma empresa vá alavancar o desenvolvimento. Tem que se incentivar localmente as oportunidades.
JC – Os jovens encontram dificuldades para ingressar no mercado de trabalho.
Ruas – Volto à lição brizolista: escolas de turno integral. Tomemos como exemplo uma criança que tenha sete anos e estude numa escola pública. Daqui a dez anos, quais serão as suas chances no vestibular de uma universidade federal? Quase nulas. Isso é excluir oportunidades.
JC – O que tem de Leonel Brizola no P-Sol?
Ruas – Hoje o P-Sol é o único partido que defende as bandeiras com a ênfase e a sinceridade que o Brizola defendia. A linha, por exemplo, de enfrentamento do governo federal na Legalidade, estamos fazendo no questionamento da dívida estadual. A história do turno integral na educação, idealizada por Darcy Ribeiro e praticada por Brizola, também está em nosso programa de governo. Ribeiro, falando de maneira genial sobre segurança, disse que “segurança é uma conta de adição: é emprego mais saúde mais educação”. Isso é igual à segurança no mundo inteiro.
JC – No governo, o P-Sol procuraria quais partidos para fazer alianças?
Ruas – Não seriam feitas alianças. Temos que ter projetos que mobilizem a sociedade através do Legislativo. É mito que tenha que se ter tal base numérica para governar. Não, deve-se ter a população a favor. Veja o exemplo da Legalidade (1961), o que o (então governador Leonel) Brizola tinha? O povo. O que tem um governante sério? Bons projetos. Quero ver o Legislativo não ser a favor de bons projetos. Não precisa fazer aliança. Mas, claro, não se exclui a negociação. E, obviamente, jamais poderíamos ser condescendentes com práticas como o mensalão. É a corrupção institucionalizada sob o falso argumento da governabilidade.
JC – Sem base, o governo não fica vulnerável?
Ruas – Não. Primeiro, teremos base, pois se me eleger, terei deputados. Segundo, o Legislativo é popular e, obviamente, sensível às manifestações da sociedade.
JC – Por que o P-Sol não compôs com outros partidos?
Ruas – Não somos contra alianças, mas contra composições sem critério ideológico, político. A direção nacional do P-Sol aprovou alianças com PSTU e PCB. Não conseguimos fazer isso, pois os outros partidos também entenderam que têm que ter candidaturas próprias.
JC – No sistema atual, a eleição é um dos poucos momentos que alguns partidos têm para aparecer.
Ruas – Como o partido cresce se não se mostra para a sociedade? Não somos um partido que vive para eleições, mas a utilizamos. É um elemento de contato com a sociedade e de visibilidade de nosso programa, nossa ideologia. Não fazemos carreira. Veja, eu teria uma eleição simples para a Assembleia, fui o segundo mais votado em 2008 para a Câmara Municipal. Mas sou candidato ao governo do Estado. Ou seja, estamos fazendo um partido.
JC – Nos debates, o senhor tem citado denúncias de corrupção contra Yeda e Fogaça.
Ruas – Do PT também, teve o mensalão. PMDB e PT têm Dilma (Rousseff) e (Michel) Temer. É a mesma candidatura. O governo Yeda, Fogaça, ou o petista não são alvos porque são adversários. Ao contrário, são adversários porque praticam corrupção. E é o que denunciamos.
Perfil
Pedro Luiz Fagundes Ruas, 54 anos, é natural de Porto Alegre. Advogado, exerce a profissão há 30 anos. É especializado na área trabalhista. Iniciou sua atividade política no movimento estudantil, a partir da adolescência. Na universidade, combateu a ditadura militar, incluindo a luta pela anistia. Em 1979, com a volta do ex-governador Leonel Brizola do exílio e o fim do bipartidarismo (MDB/Arena), Pedro Ruas participou da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). A simbologia do líder político, como o “homem da Legalidade”, que lutou contra a ditadura militar e foi exilado, atraiu Ruas para o PDT. Chegou a exercer a presidência estadual da legenda. Mas um ano após a morte de Brizola, em 2004, Pedro Ruas deixou o PDT, depois de 26 anos de militância e integrou o recém-criado Partido Socialismo e Liberdade (P-Sol). Está em seu quarto mandato como vereador da Capital, o primeiro pelo P-Sol, do qual é líder da bancada na Câmara Municipal. Também integra o diretório nacional, a executiva estadual e o diretório municipal da sigla.