EDITORIAL
O direito de conhecer
Embora positiva, é insuficiente ainda a divulgação feita pela Ordem dos Advogados do Brasil da parte da ação civil de improbidade administrativa contra a governadora do Estado e outros oito agentes públicos. O conteúdo liberado pela juíza Simone Barbisan Fortes, da 3ª Vara Federal de Santa Maria, revela apenas a convicção do Ministério Público Federal sobre as irregularidades. Os gaúchos querem toda a verdade. Por isso, precisam conhecer cada detalhe da investigação procedida pelo MPF, que levou os procuradores a identificarem no Estado “uma verdadeira quadrilha criminosa, que lesou os cofres públicos entre os anos de 2003, por volta do mês de junho, até o mês de novembro do ano de 2007”. Mas o que veio a público ainda é pouco para a população saber o que realmente aconteceu. Faltam as provas que levaram o MPF a apontar as fraudes e seus responsáveis.
Por isso, é desejável que todas as pessoas que detêm essas informações, sejam elas autoridades ou não, venham a público para externá-las de forma responsável e no interesse do Estado. Evidentemente, como prevê a Constituição, cabe respeitar a privacidade de pessoas eventualmente investigadas ou ouvidas no decorrer dos inquéritos. O que precisa ser divulgado é o que tem relação com as irregularidades. Para isso não pode haver sigilo, pois esse instituto não foi criado para proteger fraudadores.
Por enquanto, o que os cidadãos conhecem é uma série de acusações graves contra integrantes do governo, deflagradas por políticos e chanceladas por investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Mas tanto os denunciantes quanto os órgãos oficiais ainda não apresentaram ao público as provas efetivas de suas conclusões. Em que se basearam os procuradores federais para registrar na inicial da ação que existe – ou existiu – uma quadrilha criminosa incrustrada na administração estadual? O Rio Grande precisa saber.
E o Estado não pode ficar imobilizado enquanto as tais provas não aparecem. É elogiável que o Judiciário, a OAB e os demais órgãos envolvidos na investigação procurem dar transparência às suas ações, respeitados os limites legais. Mas a boa vontade das autoridades vêm se revelando insuficiente, já que o conhecimento integral das irregularidades continua restrito a um grupo de pessoas. Enquanto cada cidadão não puder fazer o seu próprio julgamento, persistirão as dúvidas. E a dúvida, por imposição democrática, deve incluir a presunção de inocência dos acusados.
Acreditamos que a informação responsável é o caminho mais curto para o aperfeiçoamento das instituições. Não cabe à imprensa punir ou inocentar ninguém. Cabe-nos, isto sim, perseguir a verdade até que ela apareça de forma inquestionável, para que os cidadãos façam uso das informações e tirem suas próprias conclusões. Assim, vamos continuar cobrando total transparência tanto dos acusados quanto dos acusadores, pois acreditamos que esta é a vontade da sociedade rio-grandense.
REAÇÃO AO MPF
Advogado de Yeda tenta desmontar ação
Marciele Brum
Apresentado por Yeda Crusius em apenas 54 segundos no Palácio Piratini como advogado de defesa, Fábio Medina Osório anunciou ontem que pedirá hoje à 3ª Vara Federal de Santa Maria a extinção do processo de improbidade administrativa contra a governadora.
Pouco antes das 18h, Yeda apareceu sorridente e subiu ao púlpito instalado na antessala de seu gabinete. Estava acompanhada do chefe da Casa Civil, José Alberto Wenzel (PSDB), e do líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Pedro Westphalen (PP). Secretários vestidos informalmente, como Daniel Andrade (Infra-estrutura), Mateus Bandeira (Planejamento), Ricardo Englert (Fazenda) e até o chefe de gabinete, Ricardo Lied, além de dezenas de repórteres, assistiram à manifestação do novo advogado. Yeda falou rapidamente antes de passar a palavra a Medina:
– Boa tarde a todos. Obrigada pela presença. Nesse terceiro dia chuvoso, quero apresentar a vocês formalmente o advogado que responderá a partir de hoje em nome da governadora.
Dito isso, Yeda deixou o local. Seguiram-se 40 minutos de explicações, nos quais o advogado garantiu que a petição a ser proposta em Santa Maria se restringirá à governadora (leia trechos da manifestação do advogado na página 5). Antes de fazer a solicitação, Medina conversará com a juíza federal Simone Barbisan Fortes, responsável pelo exame da ação civil e também pelo processo penal contra réus envolvidos na fraude do Detran. Essa estratégia foi definida no final de semana, depois da leitura das 1.238 páginas da ação proposta pelos procuradores da República.
Medina ainda não pediu acesso ao material e obteve documentos junto a um colega que já recebeu cópia da ação por defender aliados de Yeda citados pelo MPF. Hoje, o advogado da governadora pretende formalizar o pedido de acesso aos autos.
Para Medina, ação é “inepta”
Ontem, Medina narrou as razões pelas quais não seria possível processar a governadora por improbidade (ato de agente público no exercício do cargo, mandato ou função que resulte em enriquecimento ilícito ou lesão aos cofres públicos). Procuradores da República têm competência para ajuizar ação de improbidade contra agentes públicos que tenham foro privilegiado, ou seja, que só possam ser investigados e processados criminalmente em tribunais estaduais ou superiores. Mas há uma discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre se um governador pode ser alvo desse tipo de ação. Na opinião de Medina, a resposta é não. Outros juristas dizem que o assunto é controverso e que não há decisão definitiva do STF sobre o tema. Quando há indício de crime praticado por governador, uma denúncia criminal deve ser feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) depois de investigação autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Yeda já está sendo investigada na esfera criminal.
– Temos convicção de que essa inicial é inepta (não reúne os requisitos essenciais que justificam o processo em relação à governadora). Ela é inocente – afirmou Medina.
Esta semana, o advogado também pretende contestar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a forma como os seis procuradores anunciaram a ação, na quarta-feira, em entrevista coletiva . Segundo ele, o segredo de Justiça foi rompido e teria havido a “espetacularização” das informações.
Como Yeda é alvo de ação civil, o advogado de Flavio Vaz Netto, Paulo Oliveira, pretende fazer requerimento para que o depoimento da governadora, como testemunha de defesa, seja suspenso. Ela iria depor no dia 19.
Entre novembro de 2003 e dezembro de 2005, o advogado e então promotor Fábio Medina Osório, contratado no final de semana para a defesa da governadora Yeda Crusius, foi secretário adjunto da Secretaria da Justiça e da Segurança durante a gestão do titular da pasta, o deputado federal José Otávio Germano (PP), um dos réus apontados na ação do Ministério Público Federal (MPF).
O parlamentar usou Medina como álibi ao se defender de acusações de que era conivente com a fraude do Detran que começou em 2003 quando o deputado e o promotor comandavam a pasta responsável pela autarquia. José Otávio dizia que a presença de um promotor era a prova de que não participou de irregularidades.
Autor do livro Teoria da Improbidade Administrativa, de 2007, Medina é referência nacional em Direito Administrativo Sancionador e se dedica ao tema há quase 20 anos. A condição de especialista renomado em improbidade administrativa e de membro da ONG Transparência Brasil pesou na decisão de contratá-lo para a defesa de Yeda.
Citado por procuradores, advogado ironizou autores
Ontem, o professor que é doutor disse que os procuradores da República utilizaram um outro livro menos atualizado, de 1999:
– Fico grato ao próprio MPF que citou um dos nossos livros a respeito de probidade administrativa na própria inicial acusatória. Temos alguns outros livros mais atualizados para poder enviar aos ilustres procuradores.
Com escritório na esquina das ruas Mostardeiro e Mariante, em Porto Alegre, Medina deixou o posto de promotor no Ministério Público Estadual em 2006 para se dedicar à advocacia. Um de seus principais clientes é o Banco Bozanno Simonsen. Junto à Procuradoria-Geral da República e ao Superior Tribunal de Justiça, a governadora continua sendo representada pelo advogado Eduardo Alckmin.
Divulgação de trechos anima oposicionistas
Ao avaliar ontem o conteúdo de parte da ação civil pública de improbidade administrativa contra a governadora Yeda Crusius e oito aliados, deputados do PT se mostraram animados com as perspectivas da CPI da Corrupção na Assembleia.
Com a tarefa de presidir a comissão, a deputada estadual Stela Farias (PT) afirmou que é possível que “dentro da ação encontremos novos elementos para sabermos das conexões e das ações”.
– O próprio Ministério Público Federal foi duramente criticado nos últimos dias. Temos a convicção de que o MPF está muito seguro e que o conteúdo divulgado no final de semana é apenas uma pequena parte do que está por vir. É possível que dentro da ação encontremos novos elementos para sabermos das conexões e das ações.
Segundo o líder da bancada do PT, deputado Elvino Bohn Gass, há um ano o partido chegou à conclusão de que havia provas contra integrantes do Palácio Piratini:
– Consideramos o conteúdo (da ação de improbidade) grave. É possível avançar no tema de abertura de impeachment contra a governadora.
Stela viajará a Santa Maria para pedir fim de sigilo
Apesar de o presidente da Assembleia, deputado Ivar Pavan (PT), ter se reunido com a juíza da 3ª Vara Federal de Santa Maria, Simone Barbisan Fortes, na sexta-feira, Stela cogita viajar a Santa Maria ainda esta semana para reforçar o pedido do colega de partido: a Assembleia quer ter acesso à íntegra da ação contra a governadora Yeda Crusius e oito aliados. A bancada deve solicitar nesta semana ao Ministério Público a reabertura da investigação sobre a casa da governadora, no bairro Vila Jardim.
– O tema é gravíssimo. O essencial é ver o conteúdo da prova. Com o que foi divulgado, o governo terá dificuldades de recuperar a sua credibilidade – disse Pavan.
10 questões que a ação do MPF deixa em aberto
O ajuizamento de uma ação civil pública contra a governadora Yeda Crusius e oito aliados e a divulgação dos primeiros trechos da peça provocaram uma enxurrada de dúvidas, questionamentos e controvérsias sobre os desdobramentos do caso no mundo por vezes fechado da Justiça. Depois de ouvir os seis procuradores que apresentaram a ação explicar que não poderiam revelar detalhes em razão do segredo de Justiça, os gaúchos assistiram à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tornar públicas 40 das 1.238 páginas da peça. Ainda não se sabe quais condutas irregulares são imputadas aos réus, nem quais são as provas.
A seguir, Zero Hora apresenta 10 questionamentos sobre a disputa jurídica que se desenrola no Estado:
Por que os procuradores não divulgaram o mesmo que a OAB?
Para o corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilson Dipp, o papel do Ministério Público Federal (MPF) é tocar o processo na forma adequada e na forma da lei. Em função do tipo de prova e de investigação que está sendo feita, deve, num primeiro momento, ser conduzido em sigilo. Para o constitucionalista Eduardo Carrion, professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público, a ação de improbidade é uma ação cível, e portanto não se justifica o segredo de Justiça mesmo sobre as provas, desde que não envolva a intimidade.
Os procuradores não sabiam que não pesa sigilo sobre parte da ação?
Na opinião do constitucionalista Eduardo Carrion, não há desconhecimento. A matéria é controversa, e os procuradores agiram com cautela e prudência. Mas ao mesmo tempo pediram a revogação do segredo de Justiça. Segundo o corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilson Dipp, o MPF poderia ter divulgado o teor da petição inicial. Para ele, talvez fosse desnecessário fazer uma entrevista coletiva, dizer quem são os investigados e não referir quais os fatos concretos que estão sendo investigados.
Por que a juíza concedeu à OAB acesso à ação?
Houve uma solicitação expressa da OAB. Segundo o constitucionalista Eduardo Carrion, nos termos do Estatuto da Advocacia, a entidade possui uma função institucional e não simplesmente corporativa. Tem por finalidade “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático e de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis (…)”. No entanto, a juíza de Santa Maria só autorizou a divulgação do material que não estivesse sob segredo de Justiça até decisão em contrário.
Qual é a legitimidade da OAB para obter acesso a ação civil?
Para o corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Gilson Dipp, não há ilegalidade. O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Alexandre Mariotti afirma que a OAB é a entidade representativa da ordem dos advogados e ao mesmo tempo é um órgão da sociedade civil. Segundo o constitucionalista Eduardo Carrion, há um interesse público flagrante. A ação dos agentes políticos deve ser transparente ao máximo, exatamente porque se trata do patrimônio público em questão.
Há prazo para que a juíza responda aos pedidos de quebra de sigilo do inquérito?
Não. A própria inicial contém em torno de 1.238 páginas.
Há precedentes em que a OAB tenha obtido direito de divulgar trechos livres de sigilo em processos?
Juristas desconhecem possíveis precedentes. Salvo em casos excepcionais, que envolvam a intimidade dos demandados, a OAB tem defendido a publicidade dos atos e documentos processuais. O presidente da seccional gaúcha da OAB, Claudio Lamachia, também desconhece casos semelhantes no país.
Pode-se afastar governador e outras autoridades por ação civil?
A questão é polêmica. Segundo o constitucionalista Eduardo Carrion, é possível fazer esse pedido e existe a previsão de perda do mandato desde que a possibilidade de ação civil pública por improbidade seja admitida nesse caso pela Justiça. O professor Alexandre Mariotti diz não conhecer nenhum precedente envolvendo autoridades como a governadora, deputados e o presidente do Tribunal de Contas. Segundo ele, a ação civil pública de improbidade permite, em tese, que se decrete perda de mandato.
Que fatos podem levar ao impeachment de um governador?
Segundo juristas, aplica-se a Lei 1.079/50 (impeachment). No caso, o artigo 9º, que trata dos crimes contra a probidade na administração, em especial os itens 3, 6 e 7. Podem ser motivadores de impeachment condutas como leniência com relação a responsabilidade de seus subordinados, pressão ou ameaça contra funcionário público e falta de decoro.
Quanto tempo leva a tramitação de um processo de impeachment, até o julgamento?
Há normas legais e regimentais. Nos temos do artigo 82 da Lei 1.079/50 (impeachment), “não poderá exceder de cento e vinte dias, contados da data de declaração da procedência da acusação, o prazo para o processo em julgamento”. A lei se sobrepõe ao regimento interno da Assembleia Legislativa.
Improbidade administrativa é crime?
É questão controversa. De acordo com o constitucionalista Eduardo Carrion, no sentido técnico, não. Por isso mesmo, é possível paralelamente nos termos do artigo 37, parágrafo 4º da Constituição, ação penal se cabível. Nesse caso, para a governadora haveria foro privilegiado e a denúncia teria de ser feita pelo procurador-geral da República perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para o professor Alexandre Mariotti, sem dúvida é crime. Representa um desvio do padrão de conduta ética que um administrador público deve ter.
O BUNKER DA SERRA
Como Yeda aguardou ação dos procuradores
Residência oficial em Canela foi refúgio da governadora no auge da crise
Leandro Fontoura
Na quarta-feira, a governadora Yeda Crusius despachou do início da manhã até as 15h. Naquele momento, segundo um dos assessores que a acompanhavam no Palácio das Hortênsias, em Canela, disse aos colaboradores que iria descansar.
A parada foi estratégica. Yeda preferiu não assistir À entrevista dos seis procuradores da República, integrantes da força-tarefa responsável por apurar a fraude que, desde 2003, desviou R$ 40 milhões do Detran.
Yeda rumara para Canela por volta das 15h de terça. O deslocamento estava previsto para o meio-dia, mas a governadora preferira atrasar a partida para participar da liberação para venda da área da antiga Corlac. O desbloqueio de um imóvel abandonado que pode render R$ 14 milhões era um anúncio importante na busca de uma agenda positiva.
Com o objetivo de despachar com tranquilidade, a governadora havia planejado ficar na Serra até sexta-feira, quando retomaria compromissos em Porto Alegre. No Palácio das Hortênsias, diz um assessor do Piratini, Yeda não é importunada por telefonemas e entra e sai de pessoas como na sede do Executivo na Capital.
A sesta na hora em que o Ministério Público Federal (MPF) jogava uma bomba sobre o governo havia sido precedida de trabalho. Quando está no Palácio das Hortênsias, a governadora prefere despachar junto à mesa da sala de jantar, e não no escritório. O que atrai a governadora é o tamanho do tampo do móvel, onde pode empilhar, desempilhar e analisar centenas de documentos ao mesmo tempo.
Ali, também encontra o conforto da proximidade da lareira. Tudo isso sem a pressa do Piratini. Foi assim na quarta-feira. De abrigo, ela trabalhou no local com o apoio do subchefe jurídico da Casa Civil, César Marsillac, que a ajudou a se encontrar no meio da papelada. Os processos chegaram um dia antes, em caixas, de carro.
Assessores relataram entrevista do MPF
Ao meio-dia, a governadora almoçou com os assessores. Estavam presentes Marsillac, o chefe de gabinete, Ricardo Lied, a jornalista Ana Jung e o fotógrafo Jefferson Bernardes. Nas recentes passagens da governadora por Canela, também são sempre vistas sua secretária particular, Magda Carneiro, a jornalista Lilian Daher e a capitã Leila Malabarba, ajudante de ordens de Yeda.
Enquanto a governadora descansava, coube aos assessores ouvir, pelo rádio, as declarações do MPF. Ao retornar, a governadora ouviu o relato dos assessores e ficou indignada. Logo, começou uma série de telefonemas, aberta pela ligação do secretário de Administração, Elói Guimarães.
Naquele momento, o governo deu início ao contra-ataque. Uma das primeiras ações foi buscar a opinião de advogados. Das conversas, o Piratini firmou a convicção de que os procuradores não têm o direito de ajuizar uma ação de improbidade administrativa contra a governadora. O argumento foi usado por Yeda no retorno a Porto Alegre. Ela chegou à Capital na quinta-feira às 13h, direto para um almoço com aliados.
ANDRÉ MACHADO
Temporal
Foram duas respostas curtas, mas que mostram o estado de espírito da governadora Yeda Crusius depois do anúncio da ação do Ministério Público Federal e da divulgação dos áudios da conversa entre Lair Ferst e Marcelo Cavalcante, dois ativos militantes de sua campanha eleitoral de 2006.
“Bem, agora entramos finalmente em fase nova. Apareceu a Margarida”, escreveu Yeda às 8h21min de sábado, em resposta a uma mensagem que enviei a às 9h59min da manhã de quinta-feira, propondo uma segunda conversa para aprofundar questões que não poderiam ser detalhadas numa entrevista de 15 minutos à TVCOM.
Poucos minutos depois de receber a mensagem da governadora eu deveria comentar no programa Supersábado, da Rádio Gaúcha, os áudios de Lair e Marcelo e o trecho do processo revelado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Retornei o e-mail oferecendo espaço para uma manifestação naquela manhã.
A resposta segue as metáforas típicas da forma de se comunicar da governadora: “O temporal está tão forte que é melhor esperar clarear”.
Porto Alegre tinha uma manhã escura. Yeda sabia o que dizia. Nós é que não sabemos com clareza o que virá.
REPORTAGEM ESPECIAL
Aod estuda ação na Justiça contra Lair
Citado nas gravações entre o réu do Caso Detran Lair Ferst e o ex-assessor em Brasília Marcelo Cavalcante como participante de suposta reunião com a Magna Engenharia para tratar de contribuição de campanha em 2006, o ex-secretário Aod Cunha estuda ação na Justiça contra o primeiro. Em nota emitida no sábado, Aod disse que “jamais recebeu qualquer valor de qualquer empresa durante a campanha eleitoral do PSDB”.
O advogado de Aod, Gabriel Magadan, afirmou que o ex-secretário já move no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, ação criminal contra a deputada federal Luciana Genro, o vereador da Capital Pedro Ruas e o presidente estadual do PSOL, Roberto Robaina, por terem se referido à suposta reunião.
Gravações em xeque
As conversas entre o consultor Lair Ferst e Marcelo Cavalcante, ex-assessor do governo, morto em fevereiro, suscitam dúvidas. Abaixo, as principais delas:
– Em que momento as gravações entre Lair e Cavalcante foram feitas? Na campanha ou após a abertura do processo da Rodin na Justiça Federal?
– Qual era a intenção de ambos ao registrar as conversas?
– Desacompanhadas de outras provas, que validade têm as gravações feitas por Lair, um dos pivôs da fraude no Detran?
– O suposto relato escrito por Cavalcante em preparação para o depoimento que planejava dar aos procuradores confirma o teor dos diálogos?
– Se os diálogos foram combinados entre os dois, como confiar na veracidade?
– Cavalcante caiu numa cilada ou participou de um esquema para ameaçar o governo?
– Cavalcante seria uma testemunha menos confiável por causa da instabilidade e da depressão provocadas pela perda do emprego, pelas dívidas e pelo abandono dos companheiros, como alegam governistas?
CASA DOS ESCÂNDALOS
OAB busca apoio em Brasília para quebrar sigilo
Lamachia pedirá ao procurador-geral da República que reforce pedido de acesso à ação
O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, se reunirá hoje em Brasília com o procurador-geral, Roberto Gurgel, a fim de pedir que a Procuradoria-Geral da República se some aos pedidos de quebra de sigilo da ação civil pública contra a governadora Yeda Crusius e oito aliados.
Na manhã de sábado, a OAB liberou 40 páginas das 1.238 da petição inicial da ação. Em reunião do conselho estadual da OAB que se iniciou no final da tarde de sábado, a entidade decidiu não divulgar, pelo menos até hoje, novas informações sobre a ação do MPF contra o governo do Estado.
A entidade também divulgou uma nota oficial solicitando que os nove réus na ação do MPF peçam a quebra do sigilo das informações.
A nota da entidade
A OAB lançou texto no sábado, após divulgar páginas da ação: “1. Atendendo solicitação da OAB/RS, a Excelentíssima Sra. Juíza Federal da Terceira Vara de Santa Maria, liberou cópia integral da petição inicial da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra JOSÉ OTÁVIO GERMANO, YEDA RORATO CRUSIUS, JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS, LUIZ FERNANDO SALVADORIA ZACHIA, FREDERICO CANTORI ANTUNES, DELSON LUIZ MARTINI, WALNA VILARINS MENEZES, RUBENS SALVADOR BORDINI E CARLOS AUGUSTO CRUSIUS (…).
2. Ordenou a Magistrada, contudo, fosse observado o sigilo sobre informações, dados ou documentos mencionados no feito objeto de proteção legal ou constitucional, como, exemplificativamente, dados bancários, fiscais e interceptações telefônicas, permitindo, no entanto, a divulgação de tais dados pelas pessoas a que digam respeito.
3. Há inegável clamor público, no sentido de que a integra da referida ação seja levada ao conhecimento da sociedade, até mesmo diante da incerteza e insegurança que se instalou no Estado.
4. Em sucessivas manifestações públicas, os demandados alegam o prejuízo que lhes causou a notícia do ajuizamento da ação, veiculada pelo MPF em entrevista coletiva à imprensa, sem que lhes fosse permitido o esclarecimento público dos fatos nos quais se baseiam as imputações.
5. Havendo consenso no sentido de que a divulgação integral do conteúdo do processo servirá para bem esclarecer a sociedade riograndense, no interesse de todos, inclusive dos próprios demandados, a OAB/RS conclama os integrantes da referida ação para que, de imediato, autorizem a quebra do sigilo das provas que lhes dizem respeito, na sua totalidade, especialmente as degravações de conversas telefônicas.
6. A OAB/RS, legitimada por suas funções legais, estatutárias e institucionais, manifesta-se neste caso para, mais uma vez, defender o princípio constitucional da publicidade de todos os atos processuais. Reafirma, ao mesmo tempo, seu compromisso com o direito à intimidade dos cidadãos e à ampla defesa, mas entende que o sigilo deve ser afastado quando estiver em jogo o interesse público e a necessidade de esclarecimento da sociedade, nos exatos termos do disposto no inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.“