ETIQUETA NO PARLAMENTO
Olha quem está falando ao microfone
Reação de francês a suposto descaso na Câmara da Capital acende controvérsia
Alexandre Santi
A indignação de um lutador multicampeão francês, o franco-argelino Dida Diafat, com a suposta desatenção a seu pronunciamento na Câmara Municipal de Porto Alegre na tarde de segunda-feira expôs uma polêmica: quem presta atenção ao que é dito no parlamento?
Na tarde de segunda-feira, Diafat falou por cerca de quatro minutos como convidado do vereador João Pancinha (PMDB) na mesa da Câmara e impôs constrangimento a um grupo de parlamentares que conversava no plenário.
Aos 39 anos, 11 vezes campeão mundial de muay thai (arte marcial também conhecida como boxe tailandês), ator de filmes nos quais contracenou com o astro Jean-Claude Van Damme, Diafat defende há 15 anos a aplicação do esporte como forma de tirar crianças da miséria. Ele se sentou à mesa da Câmara ao lado do presidente da Casa, Sebastião Melo (PMDB), por volta das 15h30min. Vestindo camisa polo e calça jeans, foi apresentado e convidado a saudar os presentes com um breve discurso logo após o também breve pronunciamento do compatriota François Sabado, dirigente do Novo Partido Anticapitalista (NPA), que foi à Câmara a convite do PSOL. Falando em inglês com forte sotaque, o visitante contou um pouco da sua vida e de como se salvou da pobreza por meio do boxe tailandês.
Diafat era traduzido por uma intérprete. Irritado com vereadores que conversavam no plenário, pediu atenção dos parlamentares.
– Sou próximo do governo francês e, quando falo com ministros, por exemplo, eles estão focados. Fiquei irritado ontem (segunda-feira) porque tive a sensação de que os políticos não se importam muito com as crianças brasileiras – disse Diafat ontem, rumo o aeroporto Salgado Filho, onde embarcaria para a França.
Depois de pedir atenção, Diafat repetiu parte da sua história e, novamente chocado com as conversas, fez um novo alerta.
O lutador, que veio ao Estado a convite da Confederação Brasileira de Muay Thai Tradicional para palestrar sobre o esporte, não culpa todos os parlamentares pelo incidente e espera que o ocorrido tenho sido resultado do seu inglês. Mas, ainda assim, saiu surpreendido pelo recepção.
– Nos Estados Unidos, Alemanha e Espanha, quando falamos de crianças, todo mundo escuta porque ama as crianças – disse ontem.
Diafat foi aplaudido e tirou fotos com parlamentares na Câmara. Nem todos os vereadores, no entanto, engoliram o puxão de orelha. O decano da Casa, João Dib (PP), aproveitou um aparte para repreender a atitude do estrangeiro, depois de sua saída.
– Ele não estava trajado convenientemente. Eu não merecia ter a atenção chamada por um diabo que veio sei lá de onde. Ele pode ser artista de cinema, mas eu sou vereador de Porto Alegre – disse o ex-prefeito, relembrando o episódio.
Melo lembrou que a participação dos franceses se deu como “cortesia” e poupou os colegas:
– Os parlamentares não tratam só de um tema em plenário.
Da França, Diafat seguirá para Nova York para palestrar novamente. Desta vez, na expectativa de ser ouvido.
Discursando para as paredes
André Machado
Era para ser mais uma tarde daquelas enfadonhas. Lá pelas tantas um lutador é convidado para falar aos vereadores de Porto Alegre. Anunciado como participante de filmes de Jean-Claude Van Damme, o argelino Dida Diafat conheceu na Câmara Municipal o sofrimento pelo qual passa um orador nos legislativos. Reagiu mostrando como se enfrenta de cabeça erguida uma situação adversa ao chamar a atenção dos parlamentares que insistiam em seguir falando aos celulares ou trocando impressões sobre outros assuntos enquanto ele pedia políticas públicas de incentivo ao esporte. E foram duas vezes.
Poderia até ser o desconhecimento do Muay Thai o responsável pelo desinteresse. Mas não era. Falar para as paredes é uma prática no parlamento. Apenas a taquigrafia é obrigada a ouvir para o registro histórico. Se os verdadeiros debates não se dão em plenário, onde ocorrem? Incomodado com a advertência do convidado, o veterano vereador João Dib pediu educação ao atleta. Deveria ter estendido o pedido aos seus colegas que, com frequência, não prestam atenção ao que dizem o próprio Dib e mais 35 vereadores.
O golpe de Diafat vai entrar para a história. Nunca pensei que teria um ídolo no Muay Thai.